Como a crise na Argentina pode afetar os negócios com o Brasil?

Por
Vandré Kramer na Gazeta do Povo

As exportações brasileiras para Argentina estão no maior nível dos últimos quatro anos. Entre janeiro e julho deste ano, somaram US$ 8,9 bilhões, 34% a mais que no mesmo período de 2021, aponta a Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Apenas no mês de julho, as vendas foram de quase US$ 1,4 bilhão, com alta de 39% sobre igual mês do ano passado.

É uma ótima notícia não fosse a maior crise econômica em 20 anos no país vizinho, o que preocupa os exportadores brasileiros. Eles temem as consequências disso, que já podem ser sentidas pelos argentinos:

O peso, a moeda local, está em descrédito na população: acumula uma desvalorização de 23,1% frente ao dólar desde o início do ano;
A expectativa de inflação para os próximos 12 meses é de 94,1%, segundo projeções coletadas pelo Banco Central da República Argentina (BCRA);
O ágio no câmbio paralelo supera os 100%, refletindo a dificuldade para encontrar dólares.
“A crise na Argentina vem justamente no momento em que as vendas brasileiras para lá estão crescendo”, diz o presidente da Associação do Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.

Com fatia de 4,6% das exportações nos sete primeiros meses do ano, o país vizinho é o terceiro principal destino dos embarques do Brasil, atrás de China e Estados Unidos. Para lá, são vendidos, principalmente, automóveis de passageiros, autopeças e minério de ferro e seus concentrados.

Falta de reservas pode afetar importações da Argentina
O que mais preocupa é a disponibilidade de dólares no país vizinho, essenciais para as transações comerciais. Segundo o portal argentino Infobae, nos seis primeiros dias úteis de agosto, o Banco Central argentino perdeu US$ 1,1 bilhão em reservas cambiais. Esse dinheiro está sendo usado para tentar manter o valor do peso.

O economista Ramiro Castiñera, da consultoria Econométrica, estimou ao Infobae que, dos US$ 38 billhões de reservas brutas, o BCRA contaria com apenas US$ 2,9 bilhões disponíveis. O restante é de recursos que não estão na instituição. A título de comparação, as reservas brutas brasileiras estão estimadas em mais de US$ 340 bilhões.

A expectativa do novo ministro da Economia, Sergio Massa, é que as reservas comecem a se estabilizar com os adiantamentos de exportações prometidos por vários setores, entre eles o agronegócio. Isso ajudaria a reforçá-las. Ao mesmo tempo, a Administração Federal de Receitas Públicas (Afip, na sigla em espanhol, equivalente argentino da Receita Federal) está fazendo uma blitz contra importadores que usaram recursos jurídicos para garantir a entrada de mercadorias ao câmbio oficial.

Em junho, de acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec, na sigla em espanhol, equivalente argentino do IBGE), houve o primeiro déficit na balança comercial desde dezembro de 2020: um desequilíbrio de US$ 115 milhões, explicado pelo forte incremento de importações de energia.

Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) mostram que, nos sete primeiros meses do ano, o Brasil exportou US$ 2,23 bilhões em veículos e autopeças, um crescimento de 21,42% em relação ao mesmo período do ano passado.

No sentido contrário, as importações brasileiras de carros argentinos também registraram expansão. Segundo a Associação de Fábricas de Automotores (Adefa, na sigla em espanhol, equivalente argentino da Anfavea), entre janeiro e julho foram vendidas 100,9 mil unidades para o Brasil, o que corresponde a uma expansão de 15,3% em comparação com os mesmos meses de 2021.

A produção argentina atende principalmente a demanda brasileira. O equivalente a 35% da produção local de automóveis e veículos comerciais leves é destinado para o Brasil.

Apesar dos bons números verificados ao longo de 2022 na indústria automotiva brasileira, um sinal de alerta foi disparado em julho. As exportações totais no mês caíram 11,4% em unidades, comparativamente ao mês anterior, ou 5 mil unidades, aponta a Anfavea. Em valores, a queda foi de 9,8%. “É efeito da situação argentina. Eles estão passando por um momento de mudanças”, diz Leite.

O presidente da Anfavea avalia que os primeiros sinais dados pelo novo ministro da Economia, Sergio Massa, são positivos. Foram tomadas medidas que afetam positivamente no fluxo de caixa das montadoras argentinas. “Isso é um sinal importante de estabilidade para o Brasil” afirma.

Presença maior da China no mercado argentino preocupa
Os exportadores brasileiros também estão preocupados com a possibilidade de a China ganhar maior presença no mercado argentino. Segundo o Indec, 21% das mercadorias importadas pela Argentina são originárias da China. O Brasil é a segunda origem, com 19,2%.

Diante do problema de escassez argentina de divisas e da dificuldade de captar recursos, a preocupação de Castro, da AEB, é de que a China saia em ajuda do país vizinho e passe a ocupar mais espaços comerciais. “Quem vai dar crédito a eles? Este é um risco que estamos correndo”, destaca Castro.

O temor de um avanço da China também é compartilhado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). O superintendente de desenvolvimento industrial, Renato da Fonseca, lembra que os argentinos são importantes compradores de produtos manufaturados brasileiros. “A situação por lá pode afetar os negócios daqui”, diz.

Mas, segundo ele, há um fator que pode servir de atenuante, pelo menos ao longo deste ano: é que a economia brasileira se mantém relativamente aquecida. As previsões do mercado indicam um crescimento do PIB em torno de 2% neste ano, o que favorece as compras de mercadorias argentinas.

As importações de produtos da Argentina somaram US$ 7,2 bilhões entre janeiro e julho. O valor, 17% maior que o do primeiro semestre de 2021, é o maior para o período desde 2014. Os principais itens comprados são veículos para transporte de mercadorias e usos especiais, automóveis de passageiros e trigo e centeio.