A inteligência artificial (IA) tem demonstrado resultados significativos e promissores em diversas áreas, desde a atualização da legislação tributária, passando pelo controle de qualidade de processos e produtos, até a gestão do tráfego aéreo no Brasil, mesmo considerando o estágio inicial de desenvolvimento da tecnologia.
Em seminário promovido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), representantes de grandes empresas como Embraer, Tupy e Bosch detalharam suas estratégias de uso da IA e apresentaram projetos pioneiros no país. O evento, intitulado Marco Legal da Inteligência Artificial no Brasil – O caminho setorial, foi realizado pela CNI em parceria com a Associação Lawgorithm de Pesquisa em IA, nesta terça-feira (12).
- Também participaram desenvolvedoras e fornecedoras de tecnologia avançada para o setor, como o Instituto Eldorado e a Solinftec, que apresentaram soluções inovadoras. Para finalizar o painel, Gilberto Martins, diretor de Assuntos Regulatórios e Tecnologia da Informação da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), abordou a regulamentação da IA no Brasil e seus impactos no setor automotivo.
Tráfego aéreo – Atech / Grupo Embraer
Parte do grupo Embraer, a Atech — criada em 1997 com o objetivo de nacionalizar o controle do tráfego aéreo brasileiro — é especializada no desenvolvimento de software e atualmente é responsável pela gestão total do tráfego aéreo civil e militar no país. Ou seja, todos os aviões voando no Brasil são monitorados por sistemas desenvolvidos pela Atech.

Segundo Mauro Junior, head de Inovação e Engenharia da Atech, a IA é tão estratégica para a empresa que seu projeto está estruturado em quatro pilares principais:
1 – Governança e Compliance: O modelo de governança para o uso da tecnologia é constantemente aprimorado. “Temos sistemas críticos relacionados à soberania e defesa nacional, e a utilização da IA deve ser feita com extremo cuidado. Precisamos garantir que os modelos sejam treinados de forma a evitar vazamento ou acesso indevido às informações”, destaca Mauro Junior.
2 – Educação: Capacitação dos colaboradores e lideranças para o letramento digital em IA.
3 – Eficiência Operacional: Um dos maiores desafios é aumentar a produtividade no desenvolvimento de software. “Concorrentes globais já utilizam IA para isso. Internamente, alcançamos resultados promissores, como redução de 50% no retrabalho e correções no desenvolvimento, além de 93% de redução na verificação de normas jurídicas e comparação de cláusulas para seleção de fornecedores”, exemplifica Mauro Junior.
4 – Produto: Em relação à aplicação da IA nos produtos, a Atech desenvolve dois projetos principais: em parceria com a USP e a Embrapii, testam IA em sistemas de gestão do fluxo de tráfego aéreo para otimizar rotas e melhorar a eficiência aeroportuária, liberando slots; e, junto à Finep, criam um sistema de controle para tráfego de drones e EVTOLs (Electric Vertical Take-off and Landing), conhecidos como carros voadores e drones de passageiros.
“Estamos colaborando para construir o futuro junto a órgãos de fomento e universidades; a IA está presente no planejamento do espaço aéreo e na localização de vertiportos para carros elétricos voadores, considerando energia, trânsito e integração com transporte terrestre”, conclui Mauro Junior.
Gestão e Produção – Tupy
A estratégia de IA da multinacional Tupy — líder mundial em componentes estruturais de ferro fundido — foi iniciada em 2020, segundo Daniel Moraes, diretor de Inovação e TI. “Transformar dados coletados na fábrica e no ambiente de gestão em informações que possibilitem comparar resultados e gerar insights, por exemplo, para entender por que uma fábrica é mais eficiente que outra, isso é inteligência”, explica.

Atualmente, a IA é empregada para aprimorar a gestão e aumentar a eficiência produtiva nas seis unidades fabris da empresa. A Tupy classifica a IA em três tipos:
1 – Clássica: Processamento de grandes volumes de dados para identificar padrões e prever resultados, especialmente no controle de qualidade, com predição de falhas e escalabilidade dos testes. Na fábrica de Joinville, utiliza-se um sistema com 150 variáveis de processo e 45 mil pontos de coleta em tempo real. Em dois anos, foram registradas 12 milhões de inserções de dados industriais. Entre as soluções, destacam-se: um simulador de metalurgia que prevê problemas de qualidade ao ajustar composições químicas; e um sistema que monitora a fusão metal-líquido, com 90% de precisão na detecção de falhas.
2 – Embarcada: Equipamentos que recebem parâmetros e aplicações gerados por IA para executar atividades nas áreas de produção, qualidade, logística, Saúde, Segurança e Meio Ambiente (SSMA) e cibersegurança. A IA é empregada na inspeção e validação da montagem de componentes nos moldes de fundição, seleção de produtos, controle do processo industrial e monitoramento da temperatura do sistema de filtragem.
3 – Generativa: IA capaz de criar conteúdos, como textos e imagens, automatizando processos e facilitando o acesso rápido à informação. Agentes de IA já auxiliam gestores no acesso aos dados de produção, identificando defeitos na linha com fotos.
“O maior desafio regulatório vem da IA generativa, mas o maior valor para nós será a IA clássica aplicada aos processos fabris. O crescimento mais expressivo ocorrerá na IA embarcada, via equipamentos”, compara Daniel Moraes.
Legislação, Frota de Pneus e Agro – Bosch
Atuando em diversos setores — mobilidade, bens de consumo, energia e tecnologia predial — a Bosch já utiliza IA em processos administrativos, desenvolvimento de software, produção, agricultura e formação profissional.

Alexandre Pagotto, gerente de Relações Governamentais da Bosch, detalha as aplicações:
1 – Processos administrativos: Plataforma que monitora mudanças na legislação tributária. O sistema coleta diariamente cerca de 60 novas leis, compara com a legislação vigente, lê o Diário Oficial e destaca os impactos para a empresa.
2 – Serviço de software: Utilizando apenas a câmera do celular, uma IA treinada com mais de 13 mil fotos e 2 mil tipos de pneus analisa os sulcos da frota. O sistema auxilia mecânicos e gestores, aumentando a vida útil dos pneus e reduzindo em média 4% o custo com diesel.
3 – Produção: Controle de qualidade do injetor de diesel. Antes, um funcionário fazia a inspeção com 8,5% de erro; depois, uma câmera convencional reduziu para 4,46%; atualmente, a IA diminuiu o erro para apenas 0,13%.
4 – Agricultura: O sistema One Smart Spray identifica em tempo real ervas daninhas para aplicar herbicida somente nas áreas contaminadas, proporcionando uma economia média de 62% no uso do produto.
5 – Formação profissional: A Academia de Talentos Digitais, em parceria com o SENAI, já formou 400 jovens aprendizes com competências em automação, análise de dados, IA e desenvolvimento de software.
“Já temos IA aplicada em diversas situações com ganhos de eficiência e baixo risco; nenhuma apresenta riscos para a indústria ou sociedade. Contudo, enfrentamos altos impostos sobre licenças de software e dependemos de GPUs importadas. Como desenvolver IA é caro, o fomento é fundamental”, destaca Alexandre Pagotto.

















