Por Thais Santana Maia e Ronilson de Carvalho Martins
O chamado “imposto do pecado”, nome dado ao novo Imposto Seletivo (IS), é uma das principais medidas da reforma tributária sobre o consumo, prevista para entrar em vigor em 2027, após a aprovação da Emenda Constitucional nº 132/2023. Entre os produtos que passarão a ser taxados estão os veículos, o que coloca o setor automotivo diante de um cenário estratégico, justamente no momento em que a indústria acelera a descarbonização da frota nacional. Nesse contexto, mecanismos de incentivo à inovação ganham ainda mais relevância para as empresas do setor.
O objetivo central do Imposto Seletivo é desestimular o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. A cobrança incidirá sobre atividades como produção, extração, comercialização e importação desses itens, conforme definido em lei.
O artigo 409 da Lei Complementar nº 214/2025 inclui os veículos entre as categorias sujeitas à nova tributação. As alíquotas serão graduadas de acordo com critérios ambientais, como potência, eficiência energética, desempenho estrutural, tecnologias assistivas, reciclabilidade de materiais, pegada de carbono, densidade tecnológica e emissões de CO₂ (considerando o ciclo do poço à roda). Também serão considerados fatores como a realização de etapas fabris no Brasil e a categoria do veículo.
Impactos do Imposto Seletivo para o setor automotivo
A implementação do Imposto Seletivo ocorre em meio a uma intensa transição tecnológica no setor automotivo. As montadoras aceleram o desenvolvimento de veículos híbridos, elétricos e movidos a biocombustíveis, enquanto o governo busca alinhar a política fiscal às metas de descarbonização, como previsto no Plano de Transformação Ecológica.
Por outro lado, o aumento da tributação sobre veículos movidos exclusivamente a combustíveis fósseis pode elevar os preços dos modelos de entrada, dificultando o acesso ao carro para a população de menor renda e comprometendo a renovação da frota nacional, como alerta a ANFAVEA. Nesse cenário, equilibrar o impacto do Imposto Seletivo com políticas de incentivo à inovação pode ser o caminho para garantir competitividade e avanço tecnológico no setor.
Mecanismos de fomento à inovação automotiva: programas e oportunidades
O Brasil já conta com um histórico consolidado de políticas públicas voltadas à inovação automotiva. Programas como o Inovar Auto (Lei nº 12.715/2012) e o Rota 2030 (Lei nº 13.755/2018) buscaram estimular eficiência energética, segurança e desenvolvimento tecnológico. Mais recentemente, o lançamento do Programa Mover, em 2024, marca uma nova etapa, ampliando incentivos à pesquisa e desenvolvimento (P&D), acelerando a transição para veículos de baixa emissão e introduzindo mecanismos de crédito financeiro atrelados a metas de inovação.
O Mover atualiza o escopo dos incentivos, alinhando-os às demandas atuais do mercado. Se o Inovar Auto focava nas montadoras e o Rota 2030 ampliou para sistemistas (autopeças), o novo programa vai além: empresas desenvolvedoras de sistemas e soluções para mobilidade, logística, insumos, matérias-primas e componentes também podem acessar os benefícios fiscais, ampliando o alcance na cadeia automotiva.
O programa traz avanços em relação às versões anteriores. Além do modelo de incentivos baseado no sistema bônus-malus, que premia tecnologias sustentáveis, o Mover transforma o benefício fiscal em crédito financeiro equivalente a 50% dos investimentos em P&D, percentual que pode chegar a até 320%, dependendo do enquadramento do projeto.
Empresas que realizam projetos de realocação de unidades industriais também podem acessar créditos financeiros vinculados ao valor do imposto de importação, aplicável à aquisição de máquinas e equipamentos, bem como ao IRPJ e à CSLL incidentes sobre o lucro tributável das exportações de produtos fabricados no âmbito do projeto.
No eixo da sustentabilidade, o Mover introduz uma nova metodologia para medir a pegada de carbono, do poço à roda, incentivando o uso de biocombustíveis. O programa também passa a considerar a reciclabilidade dos materiais como critério para concessão de benefícios fiscais.
Desafios para a efetividade do Programa Mover
Apesar dos avanços, o setor enfrenta desafios práticos na legislação. Um dos principais pontos de atenção é o limite global anual para concessão de créditos financeiros. Como as solicitações são analisadas por ordem de chegada, o esgotamento do teto orçamentário antes do fim do exercício pode impedir que empresas recebam o crédito, mesmo cumprindo os requisitos mínimos de investimento em P&D. Esse cenário, já observado nos anos-base de 2024 e 2025, gera insegurança e reduz a previsibilidade necessária para a tomada de decisão.
A descarbonização no Brasil também esbarra em barreiras estruturais. A adoção de novas tecnologias e a instalação de unidades industriais exigem investimentos cruzados em setores como energia e meio ambiente, para viabilizar uma infraestrutura adequada à transição.
Segundo estudo do IPEA, a limitação da rede de recarga é hoje um dos principais entraves à popularização dos veículos elétricos no país. Além da infraestrutura, o alto custo e a dependência de importação continuam restringindo a expansão desses modelos na frota nacional.
Imposto Seletivo e incentivo à inovação
A relação entre o Imposto Seletivo e os incentivos à P&D é estratégica para o futuro do setor automotivo. Se, por um lado, a tributação mais alta penaliza tecnologias obsoletas, por outro, os incentivos fiscais funcionam como mecanismo compensatório, direcionando recursos para soluções que impulsionam a transformação tecnológica e ambiental da indústria.
Assim, as empresas têm dois caminhos: absorver os custos adicionais, com possível repasse ao consumidor e perda de competitividade, ou usar os incentivos à inovação como alavanca para ganhos fiscais e posicionamento estratégico no mercado.
O grande desafio está na compreensão e no acesso efetivo a esses mecanismos. Programas como o Mover, a Lei do Bem e outros instrumentos exigem planejamento, controle dos investimentos e rigor técnico na comprovação dos dispêndios. Nesse contexto, destaca-se a atuação de consultorias especializadas, que oferecem suporte estratégico na estruturação, validação e gestão dos projetos.
O Imposto Seletivo não deve ser visto apenas como um ônus fiscal, mas como parte de um movimento mais amplo de transformação econômica e ambiental. Programas como o Mover ampliam as possibilidades de inovação e permitem que as empresas liderem essa transição com inteligência, sustentabilidade e eficiência. Quem conseguir integrar gestão tributária e avanço tecnológico terá vantagem competitiva em um mercado cada vez mais exigente e estará preparado para construir um setor automotivo mais verde, conectado e inovador.
Thais Santana Maia (Coordenadora da equipe de Tax & Legal) e Ronilson de Carvalho Martins (Coordenador de Inovação & Desenvolvimento) são especialistas do FI Group, consultoria especializada em gestão de incentivos fiscais e financiamento à Pesquisa & Desenvolvimento (P&D).

















