A venda de itens automotivos no ambiente digital já é parte do cotidiano do setor. Dois dos maiores marketplaces em operação no Brasil, por exemplo, têm a categoria automotiva como um de seus principais focos. O Mercado Livre, tradicional no aftermarket, consolidou a divisão de autopeças e acessórios como uma de suas maiores fontes de receita. Desde 2022, esses produtos lideram em volume de vendas, superando outras categorias. Mais recentemente, a Shopee intensificou a concorrência, investindo pesado em sua área de Auto & Moto e abrindo lojas oficiais de mais de 40 grandes marcas do setor.
Apesar desse avanço, ainda existe uma barreira importante para que o comércio digital de peças, via marketplaces, se consolide como alternativa competitiva às vendas diretas em lojas e distribuidores. Especialistas em aftermarket digital e representantes dos próprios marketplaces apontam que a maioria das vendas nesses canais ainda se concentra em acessórios e peças de alto giro, como kits de freio e amortecedores.
A Shopee, ao destacar o desempenho da categoria Auto & Moto em estados como Piauí, Paraíba, Pernambuco, Maranhão, Amapá, Sergipe, Minas Gerais e Espírito Santo, citou itens como escapamentos, ar-condicionado para carro, kits de relação, tração e transmissão, kits de freio, rodas aro 17, rodas de liga leve e jogos de pneus.
Segundo Thiago Trincas, CEO da Seconds, startup curitibana de tecnologia para marketplaces, a predominância desses itens mais simples se explica por fatores ligados à confiança, especialmente do reparador. “Entre as barreiras, destaco dúvidas sobre qualidade e garantia, dificuldade para validar compatibilidade, custos e complexidade logística para devoluções, além da confiança no vendedor”, afirma.
Iago Átila, fundador do Compre Sua Peça, reforça que, além da confiança, o mercado digital ainda peca na falta de informações detalhadas em alguns canais. “Quando o comprador encontra uma peça com descrição completa, imagens e garantia de compatibilidade, ele se sente seguro e finaliza a compra”, comenta.
Marketplaces e empresas de tecnologia estão se mobilizando para mudar esse cenário. O objetivo é claro: tornar o ambiente digital mais seguro e confiável para a venda de peças de maior complexidade técnica, ampliando o alcance das plataformas e oferecendo a consumidores e reparadores a precisão que se espera de um balcão físico.
No centro dessas iniciativas estão as ferramentas de compatibilidade, sistemas que conectam automaticamente cada peça às especificações dos veículos – marca, modelo, versão, motorização e ano. Essas soluções são um elo técnico fundamental, reduzindo erros de aplicação e devoluções, dois dos maiores desafios na venda online de autopeças.
Thiago Trincas destaca que a popularização dessas ferramentas já transforma as operações online. “Elas diminuem devoluções e erros e já estão em funcionamento em plataformas como o Mercado Livre”, diz. Ele explica ainda que a Seconds desenvolveu uma ferramenta que permite o preenchimento em massa das informações de compatibilidade, agilizando o cadastro dos anúncios.
O uso de dados em tempo real também é decisivo para acompanhar as mudanças de demanda e compatibilidade conforme a frota circulante se renova. Trata-se de um mercado dinâmico, que exige leitura constante e tecnologia aplicada ao detalhe – algo distante da realidade do aftermarket digital até poucos anos atrás.
Iago Átila, do Compre Sua Peça, vê nessas ferramentas o “ponto de virada” do e-commerce automotivo. “Elas funcionam como validação técnica automatizada, garantindo que o cliente compre exatamente a peça certa para seu veículo. Como a maioria dos compradores online não é técnica, essas soluções, especialmente com o avanço da inteligência artificial, começam a atuar como assistentes de compra inteligentes, interpretando diagnósticos e sugerindo o produto correto”, destaca.
Segundo ele, essas soluções não só reduzem devoluções e melhoram a experiência do usuário, como também abrem espaço para que peças mais complexas sejam comercializadas com segurança e previsibilidade. “À medida que catálogos digitais e bancos de dados automotivos se integram, a validação da compatibilidade se torna mais automatizada e confiável. O e-commerce tende a evoluir de um modelo baseado em conveniência para um de eficiência e precisão, em que até peças de mecânica pesada poderão ser compradas online com segurança e agilidade”, projeta Átila.
O mecânico também ganha protagonismo nesse novo ecossistema dos marketplaces. Validando as ferramentas de compatibilidade como essenciais para expandir as vendas de peças críticas online, a Shopee segue o caminho do Mercado Livre e investe fortemente em tecnologia. Felipe Lima, Head de Desenvolvimento de Negócios da Shopee, afirma que essa tecnologia é um dos pilares da expansão da categoria Auto & Moto, prioridade estratégica da empresa para 2025.
“Nosso filtro de compatibilidade permite que o consumidor selecione modelo e ano do veículo para verificar se a peça é compatível já na plataforma. Fomos além: o cliente pode tirar dúvidas técnicas diretamente com o vendedor antes da compra”, explica.
Apesar do reconhecimento da importância dessas ferramentas, Lima ressalta que a consolidação dos marketplaces como canais tão relevantes quanto as lojas físicas depende também do engajamento profissional, aproximando oficinas e mecânicos das plataformas. “Estamos em um momento em que os mecânicos, e não só os consumidores finais, já se tornam parte ativa do ecossistema do marketplace. Por isso criamos iniciativas como o Programa de Criadores e Afiliados da Shopee, em que o profissional pode indicar ao cliente o link do produto para o reparo ou manutenção e recebe comissão pela venda. Também lançamos o Clube do Mecânico, que oferece descontos e condições especiais”, detalha.
Esse tipo de estratégia é visto como um passo decisivo na profissionalização da jornada digital de compra de autopeças, transformando o reparador em curador técnico e influenciador de decisão, papel que já exerce há décadas no balcão físico.
A soma desses movimentos – tecnológicos, comerciais e culturais – aponta para uma transformação gradual e inevitável. A tendência é que, à medida que as ferramentas de compatibilidade se consolidam e a cadeia ganha fluidez digital, a fronteira entre o balcão físico e o marketplace desapareça de vez.















