Governança, monitoramento e controle de riscos na cadeia de valor foram os temas centrais do debate realizado na reunião de novembro do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP, evento que antecedeu a abertura da 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém do Pará.
Na abertura, o presidente do conselho, José Goldemberg, destacou que o encontro entre chefes de Estado e delegações “não é deliberativo, mas político”, e busca criar um ambiente favorável para decisões futuras. Apesar do cenário global desafiador, Goldemberg ressaltou o protagonismo do Brasil ao propor mecanismos inovadores de financiamento para preservação ambiental. Ele lembrou que, desde as primeiras conferências climáticas, o multilateralismo perdeu força, dando lugar a compromissos individuais dos países. “Precisamos agir com realismo e prudência, mas também com iniciativa. Sociedade e setor produtivo não podem esperar apenas por decisões diplomáticas”, afirmou.
O contexto atual marca uma transição do multilateralismo das primeiras COPs — como o Protocolo de Kyoto — para o modelo do Acordo de Paris, em que cada país define suas próprias metas climáticas. “É um retrocesso”, avaliou Goldemberg, citando a ausência de líderes dos Estados Unidos e da China como sinal da fragilidade do consenso global. Ele destacou, porém, a criatividade brasileira ao propor o Fundo Florestas Tropicais Para Sempre (Tropical Forests Forever Facility – TFFF), iniciativa do Ministério da Fazenda que destina lucros à preservação da floresta. Goldemberg também apontou a importância de entidades como a FecomercioSP, que atuam de forma prática no setor produtivo. “Estamos reunidos para discutir ações concretas”, disse, reforçando a Agenda Verde da entidade, que defende a participação conjunta de governo, setor privado e sociedade pelo equilíbrio ambiental do país.
Governança e resiliência: o risco de terceiros como nova fronteira empresarial
O primeiro painel contou com Luiz Henrique Lobo, membro independente da Comissão de Gerenciamento de Riscos Corporativos do IBGC. Lobo apresentou casos emblemáticos de falhas em governança e riscos de terceiros, como o escândalo do metanol, quedas globais de provedores de nuvem e fraudes no ecossistema do PIX, mostrando como vulnerabilidades externas podem comprometer reputação e resultados financeiros. “A empresa pode terceirizar atividades, mas jamais a responsabilidade. O cliente não quer saber se o erro foi do fornecedor — ele vai culpar sua marca”, alertou.
Entre os pontos centrais de sua fala, Lobo destacou três tendências decisivas para o mundo corporativo:
– Velocidade dos riscos: eventos que antes se desenrolavam em semanas agora explodem em minutos, exigindo respostas rápidas e planejadas; – Interconectividade: um risco pode desencadear outros, como o reputacional levando ao financeiro; – Resiliência: palavra-chave na gestão de riscos, define a capacidade da empresa de resistir e reagir.
Lobo concluiu reforçando o papel da cultura organizacional e da liderança: “Governança e cultura de riscos são top down. O exemplo precisa vir do conselho e da alta direção — é isso que constrói empresas resilientes.”
Logística reversa e rastreabilidade do vidro: o desafio da economia circular
Na sequência, Jéssica Doumit, diretora-presidente do Instituto Giro e da Eu Reciclo, apresentou um panorama sobre logística reversa, com foco na cadeia do vidro e nas ações com operadores, cooperativas e catadores. Com apoio técnico de Caio Trogiani, gerente de Operações da Eu Reciclo, Jéssica explicou o sistema de créditos de reciclagem, que conecta empresas, cooperativas e recicladores para viabilizar economicamente a coleta de resíduos. “O Brasil produz 82 milhões de toneladas de resíduos por ano. O vidro é 100% reciclável, mas tem baixo valor econômico e alto custo logístico. O catador não quer coletar vidro porque se machuca e ganha pouco. Nosso papel é mudar essa equação”, afirmou.
O crédito de reciclagem remunera quem coleta, separa e destina corretamente o resíduo, tornando o processo financeiramente viável e reduzindo a dependência de subsídios públicos. Jéssica citou o escândalo do metanol como exemplo de como a falta de rastreabilidade pode gerar tragédias e abalar a confiança do consumidor.
Trogiani acrescentou que combater o mercado ilegal de garrafas e criar incentivos para o descarte formal é essencial para evitar reincidências. Projetos da Eu Reciclo já triplicaram a reciclagem de vidro em mais de 50 municípios, com mais de 60 operadores em oito estados. “Quando o setor formal paga pelo vidro reciclado, valoriza o trabalho de base, elimina a informalidade e fecha o ciclo da economia circular”, completou Jéssica.
Regulações e novos impasses legais
Na segunda parte da reunião, Alexsandra Ricci, assessora do conselho, analisou os efeitos do novo Decreto Federal 12.688/2025, que institui o Sistema de Logística Reversa de embalagens plásticas. Ela destacou as novas metas regionais de recuperação de embalagens, os impactos para micro e pequenas empresas e as medidas de adequação necessárias no comércio.
“O decreto avança ao reconhecer a realidade do pequeno comércio, permitindo que atue como ponto de divulgação, e não de coleta — uma medida sensata e proporcional. Mas é importante que essa função tenha obrigações restritas à comunicação ambiental, sem novos custos ou burocracias. Precisamos de equilíbrio entre viabilidade econômica e efetividade ambiental para que o comércio continue sendo parte da solução”, ponderou Alexsandra.
Também foi debatido o Projeto de Lei 818/2025 (PL Recicla), em tramitação na Câmara Municipal de São Paulo, que prorroga prazos e amplia obrigações de reporte sobre embalagens comercializadas a granel. Segundo a FecomercioSP, a proposta preocupa quanto ao custo e à viabilidade operacional, especialmente para PMEs. “Precisamos propor ajustes para que as metas sejam factíveis e não causem efeitos regressivos sobre o comércio formal”, destacou a assessora. O conselho deliberou pela atuação institucional junto ao Ministério do Meio Ambiente e à Câmara Municipal, para apresentar um ofício técnico da FecomercioSP com sugestões de aprimoramento e aplicação equilibrada das novas regras.
Educação ambiental, cultura empresarial e transição sustentável
No encerramento, os palestrantes responderam dúvidas dos participantes e enfatizaram o papel da educação não formal e da comunicação digital como ferramentas para engajamento em descarte correto e economia circular. “A conscientização começa em casa, com o cidadão que separa o lixo acreditando que está reciclando. Nosso trabalho é garantir que isso realmente aconteça”, disse Jéssica. Lobo complementou: “Falta cultura de risco e sustentabilidade nas empresas. Isso não se impõe por decreto, constrói-se pelo exemplo”.
Goldemberg finalizou reforçando a importância de o setor produtivo assumir responsabilidade ativa na agenda climática. “Não é amor pela humanidade, mas uma questão de sobrevivência econômica e social. Sustentabilidade é investimento, não custo”, afirmou. O Conselho de Sustentabilidade anunciou ainda a possibilidade de uma reunião extraordinária pós-COP30 para analisar as decisões da conferência e discutir como a FecomercioSP pode transformar compromissos internacionais em ações concretas no comércio e serviços brasileiros. Acompanhe o canal para mais novidades.

















