Acesso à internet aumenta entre classes sociais, mas continua desigual

Os brasileiros estão cada vez mais conectados, mas o modo como acessam a internet – e o que conseguem fazer com ela – ainda é fortemente determinado pela renda, escolaridade e região onde vivem.

A pesquisa TIC Domicílios, divulgada nesta terça-feira (9) pelo Cetic.br, mostra que 86% dos lares brasileiros têm acesso à internet, o maior índice desde o início da série histórica, em 2015, quando apenas 51% dos domicílios estavam conectados. Em números absolutos, são 157 milhões de usuários, chegando a 163 milhões se forem considerados os acessos indiretos, por meio de aplicativos.

O crescimento é puxado principalmente pela inclusão das famílias de menor renda. Em 2015, só 15% dos domicílios das classes D e E tinham internet. Em 2025, esse percentual chegou a 73%, com avanço de 5 pontos em apenas um ano. A expansão do acesso por cabo ou fibra óptica entre os mais pobres teve papel central nesse movimento. Hoje, essa tecnologia é a principal porta de entrada para a rede, utilizada por 73% das pessoas. Entre as classes D e E, porém, essa taxa cai para 60%, evidenciando uma primeira camada de desigualdade.

Um acesso ainda marcado pela renda

A condição financeira continua sendo o divisor de águas no acesso à internet no Brasil. Entre os mais ricos, a conexão já é praticamente universal: 99% dos domicílios da classe A e 95% da classe B estão online. Na classe C, o índice recua para 86%. Nas classes D e E, fica em 73%, o que significa que cerca de um quarto da população de baixa renda ainda está totalmente desconectada.

É justamente entre os mais pobres que o celular se consolida como quase único meio de acesso. Nada menos que 87% dos usuários das classes D e E navegam exclusivamente pelo telefone móvel. Isso limita o uso a aplicativos e plataformas específicas, muitas vezes com pouco espaço para atividades mais complexas, como cursos técnicos avançados, uso profissional intensivo ou acesso confortável a serviços digitais mais pesados.

A pesquisa também indica uma consolidação importante dos serviços de governo eletrônico. O acesso a plataformas públicas digitais é impulsionado sobretudo por serviços de saúde e pela emissão ou consulta de documentos.

Desigualdade por região, idade e escolaridade

Outro recorte relevante é o territorial. Enquanto nas áreas urbanas o acesso se aproxima da média nacional, nas zonas rurais a conectividade cai para 77%. Ainda que o número seja expressivo, a diferença reforça uma lacuna importante em regiões onde, muitas vezes, o acesso digital poderia ser um atalho para serviços públicos e oportunidades econômicas.

A escolaridade é outro fator decisivo. Entre pessoas com ensino superior completo, 98% utilizam a internet. Esse percentual cai para 91% entre quem tem ensino médio e para 74% entre aqueles com ensino fundamental.

A idade também pesa. Em todas as faixas etárias entre 10 e 44 anos, mais de 90% usam a internet. A partir daí, o índice começa a recuar: 86% entre pessoas com mais de 45 anos e apenas 54% entre quem tem mais de 60 anos. Em todos esses grupos, o uso exclusivo do celular como forma de acesso é mais comum entre os segmentos com menor renda e menor escolaridade.

Qualidade da conexão: franquias e velocidade

Pela primeira vez, a pesquisa avaliou a qualidade do acesso entre usuários de planos de dados móveis. A maioria (55%) considera que o pacote atende às necessidades de uso. No entanto, um contingente significativo enfrenta restrições: 33% relatam redução de velocidade após o consumo total da franquia, percentual que sobe para 38% entre as classes D e E. Além disso, entre 30% e 37% dos entrevistados afirmam precisar contratar pacotes adicionais para manter o acesso funcionando de forma minimamente adequada.

A TIC Domicílios é conduzida pelo Cetic.br, ligado ao NIC.br, e mapeia o acesso e o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação em lares brasileiros e entre indivíduos com 10 anos ou mais. O estudo conta com apoio da Unesco.

Como o brasileiro tem usado a internet

O padrão de uso da internet no Brasil segue centrado na comunicação. Em 2023 e 2024:

– 92% dos usuários enviaram mensagens instantâneas; – 81% fizeram chamadas de vídeo; – 80% utilizaram redes sociais.

Houve recuo no uso da rede para assistir a filmes – de 77% em 2024 para 71% em 2025 – e também entre aqueles que compartilharam algum tipo de conteúdo, de 67% para 62% no mesmo período.

Já o pagamento via Pix aparece pela primeira vez na pesquisa com um peso considerável: 75% dos usuários de internet utilizaram a ferramenta, o que reforça o papel da infraestrutura digital no dia a dia financeiro dos brasileiros.

Apostas online entram no radar

Outro ponto incluído pela primeira vez no levantamento foi o uso da rede para apostas online. Segundo a pesquisa, 19% dos brasileiros utilizam a internet para algum tipo de aposta, com forte predominância masculina (25%).

Entre os tipos de uso medidos, destacam-se: – Acesso a cassinos online: 10% dos homens e 6% das mulheres; – Participação em rifas ou sorteios: 9% e 5%, respectivamente; – Apostas esportivas: 12% dos homens e 2% das mulheres; – Apostas em loterias federais: 9% e 4%.

A chegada da Inteligência Artificial ao cotidiano

A pesquisa também mediu, pela primeira vez, o uso de ferramentas de Inteligência Artificial generativa. Hoje, 32% dos brasileiros já utilizam algum tipo de IA, sendo 35% entre os homens.

O uso é claramente mais intenso entre pessoas com maior escolaridade e renda: – 59% dos que têm ensino superior usam IA; – 29% entre quem concluiu o ensino médio; – 17% entre aqueles com ensino fundamental.

Por classe social, o recorte é ainda mais expressivo: – 69% na classe A; – 52% na classe B; – 32% na classe C; – 16% nas classes D e E.

A idade também influencia fortemente: – 55% dos jovens de 16 a 24 anos já utilizam IA; – 44% entre 25 e 34 anos; – 40% entre 10 e 15 anos; – menos de 30% entre 35 e 44 anos; – 18% entre 45 e 59 anos; – apenas 6% entre os maiores de 60 anos.

Entre os usuários de IA, 84% utilizam essas ferramentas para fins pessoais, 53% para pesquisas ou atividades acadêmicas e 50% para uso profissional. Nesse último ponto aparece a maior diferença por escolaridade: entre profissionais com ensino superior, 69% usam IA no trabalho. Entre quem tem ensino médio, esse índice cai para 41%, e entre trabalhadores com ensino fundamental, apenas 23% utilizam a tecnologia com finalidade profissional.

Curiosamente, entre quem tem apenas ensino fundamental, o maior uso está voltado à pesquisa acadêmica (67%), o que sugere uma adoção significativa da tecnologia entre estudantes desse nível de ensino.

Governo eletrônico: amplamente utilizado, mas desigual

No campo do governo digital, a pesquisa confirma a relevância do portal gov.br. A plataforma é acessada por 56% da população, mas, novamente, com forte recorte por classe social:

– 94% dos usuários da classe A acessam o gov.br; – 79% na classe B; – 56% na classe C; – 35% nas classes D e E.

Regionalmente, a média de uso por região varia entre 57% e 60%, com uma exceção importante: no Nordeste, apenas 48% dos moradores utilizam a plataforma.

O conjunto desses dados mostra um país majoritariamente conectado, mas ainda distante de uma inclusão digital plena. A infraestrutura avança, o uso se diversifica – do Pix à IA generativa –, mas as diferenças de renda, escolaridade, idade e território continuam definindo quem se conecta, como se conecta e o que consegue fazer quando está online.