O ano de 2025 começou sob uma nuvem de pessimismo para o varejo brasileiro. As projeções iniciais indicavam retração nas vendas, mas, à medida que os meses avançaram, o setor voltou a mostrar resiliência e entregou resultados acima do esperado. No primeiro trimestre, o varejo ampliado cresceu 1,8% em relação ao último trimestre de 2024. Esse fôlego, porém, perdeu força: no segundo trimestre, a alta foi de apenas 0,1% frente ao início do ano.
Para os analistas, interpretar esse movimento não foi simples. O cenário econômico misturou variáveis que, ao mesmo tempo, sustentaram e pressionaram o consumo. De um lado, um mercado de trabalho aquecido, com bons níveis de emprego e renda. De outro, uma taxa básica de juros a 15% ao ano — o maior patamar em duas décadas — encarecendo o crédito para famílias e empresas, o que afeta diretamente decisões de compra, especialmente de bens de maior valor, como veículos e autopeças.
Para destrinchar esse contexto e projetar o que esperar de 2026, conversamos com exclusividade com Thiago Carvalho, assessor econômico da FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo).
Ao longo da entrevista, o economista reforça a necessidade de cautela na tomada de crédito, maior rigor na gestão de estoques e preparação para um ano de desaceleração, sobretudo para setores dependentes de financiamento, como o automotivo. A seguir, os principais trechos da conversa.
Novo Varejo Automotivo – O desempenho do varejo em 2025 surpreendeu parte do mercado, já que muitos analistas esperavam queda nas vendas. Na sua avaliação, o resultado positivo foi mesmo uma surpresa? O que explica esse quadro?
Thiago Carvalho – Desde o processo de “volta à normalidade” pós-pandemia, o varejo paulista vinha registrando taxas de crescimento bastante fortes em diversas regiões do Estado. Para se ter ideia, o faturamento do comércio varejista cresceu 10,2% em 2021, 8,1% em 2022, 4,8% em 2023 e 9,3% no ano passado. Diante dessa base de comparação robusta, era natural esperar um resultado bem mais fraco em 2025. Nesse sentido, o desempenho acabou surpreendendo positivamente, em grande parte por conta do mercado de trabalho aquecido.
O aumento da renda, o desemprego em níveis historicamente baixos e a geração de empregos formais ampliaram o contingente de consumidores com capacidade de gasto, o que impulsionou o varejo. Vale destacar, porém, que o bom desempenho do setor neste ano está concentrado no primeiro semestre. No segundo, o que vemos é desaceleração e, em alguns segmentos, queda nas vendas — sobretudo naqueles ligados a bens duráveis, como veículos, materiais de construção e autopeças e acessórios.
Além da base de comparação elevada, o encarecimento do crédito pesa contra: juros altos desestimulam compras financiadas. No varejo paulista, as vendas cresceram 9% no primeiro trimestre, 7% no segundo, 2% no terceiro, e a expectativa é repetir algo em torno de 2% no quarto, fechando o ano com alta próxima de 5%. Ou seja, há uma desaceleração clara em curso.
Novo Varejo Automotivo – Em 2026, teremos forças contrárias atuando sobre o consumo. De um lado, um mercado de trabalho ainda aquecido. De outro, o recorde recente de endividamento das famílias. Qual desses vetores deve pesar mais sobre o desempenho do comércio no ano que vem?
Thiago Carvalho – O mercado de trabalho foi, sem dúvida, um dos motores do consumo nos últimos anos, mas já há sinais de perda de fôlego, em linha com outros indicadores, como o IBC-Br e o próprio PIB, divulgado recentemente. A expectativa para 2026 é de desaceleração, inclusive com possibilidade de queda para alguns segmentos.
O ambiente de juros elevados permanece, com a Selic a 15%, o maior nível em 20 anos. A inflação só voltou a ficar abaixo do teto da meta em novembro, enquanto a inadimplência das famílias voltou a subir. Esses fatores, combinados, tendem a prevalecer e a pressionar negativamente as vendas, ao menos no início do ano.
Embora o mercado projete um início de ciclo de queda da taxa básica de juros em breve, é importante lembrar que a inflação de serviços continua alta, e qualquer choque de preços — em alimentos, combustíveis, entre outros — pode fazer a inflação voltar a ultrapassar o teto da meta. Isso explica a postura mais cautelosa do Banco Central na condução da política monetária.
Novo Varejo Automotivo – Quais segmentos do varejo devem registrar melhores resultados em 2026? E quais tendem a sofrer mais?
Thiago Carvalho – A tendência é de maior pressão justamente sobre os segmentos que comercializam bens duráveis. Veículos, eletrodomésticos, eletrônicos e materiais de construção são itens de maior valor, cuja compra, na maior parte das vezes, depende de crédito e parcelamento. Num ambiente de juros elevados e de consumidor mais prudente diante das incertezas da economia brasileira, esses setores devem sentir mais do que aqueles ligados a bens essenciais, como supermercados, farmácias e perfumarias.
Novo Varejo Automotivo – O contexto de incerteza que costuma acompanhar anos eleitorais pode tornar o consumidor ainda mais cauteloso em 2026?
Thiago Carvalho – Sim. As dúvidas em torno das eleições e, principalmente, sobre qual será a política econômica adotada pelo próximo governo geram preocupações adicionais e tornam o consumidor mais conservador. Há um problema fiscal evidente a ser enfrentado, e o consumidor acompanha esse debate, tentando antecipar suas consequências.
Somado aos juros altos, esse é mais um fator que pesa contra as vendas de bens duráveis. Em um cenário de incerteza, muitos preferem não assumir parcelas de longo prazo e aguardam um momento mais previsível para tomar decisões de maior impacto no orçamento.
Novo Varejo Automotivo – Nos últimos meses, cresceram as alternativas de pagamento voltadas a facilitar o parcelamento para os mais de 60 milhões de consumidores sem acesso a cartão de crédito. Em 2026, o PIX Parcelado do Banco Central deve se somar a esse conjunto de opções. De que forma esse movimento pode influenciar o consumo no ano que vem e nos próximos anos?
Thiago Carvalho – Meios de pagamento e novas modalidades de parcelamento e financiamento têm, sim, relevância na decisão de compra. Porém, fatores como renda, emprego, endividamento e confiança costumam pesar mais na prática. São essas variáveis que, de fato, determinam o ritmo do consumo.
Ou seja, mesmo com mais opções de parcelamento, se a renda estiver comprometida, a percepção de risco elevada e a confiança em baixa, o consumidor tende a segurar as compras, especialmente as de maior valor.
Novo Varejo Automotivo – O Banco Central tem sinalizado a possibilidade de reduzir os juros em 2026. Isso pode mudar o comportamento do consumidor na ponta? Quais segmentos seriam mais beneficiados?
Thiago Carvalho – Na prática, quem vem sinalizando essa possibilidade é o próprio mercado, que projeta um início de ciclo de queda no começo de 2026. O Banco Central, por sua vez, tem adotado uma postura bastante prudente, deixando claro em seus comunicados que a taxa de juros deve permanecer elevada por um período prolongado para garantir a convergência da inflação à meta de 3%.
Como mencionei, a inflação só recuou para abaixo do teto da meta em novembro, e a inflação de serviços continua em torno de 6%. Esse componente está diretamente ligado à demanda aquecida e ao mercado de trabalho forte. Se o BC antecipar a redução da Selic e a inflação voltar a subir, pode ser obrigado a reverter o movimento, prejudicando sua credibilidade.
Caso o ciclo de queda dos juros se confirme, haverá, sim, um efeito positivo sobre a confiança do consumidor. No entanto, existe um intervalo até que esse movimento chegue, de fato, ao crédito na ponta, em forma de juros mais baixos em financiamentos e parcelamentos. Quando isso ocorrer, o principal impacto será justamente sobre os segmentos de bens duráveis, que dependem mais intensamente de crédito.
Novo Varejo Automotivo – Olhando para 2026, que recomendações você faria aos varejistas brasileiros?
Thiago Carvalho – Em um ambiente de juros elevados, a gestão de estoques se torna ainda mais estratégica. Estoque parado é capital imobilizado e pressiona o fluxo de caixa, o que pode ser fatal em períodos de desaceleração.
Além disso, diante de um cenário econômico mais fraco, é importante adotar cautela em novos investimentos — seja em expansão física, reformas ou contratação de pessoal. Se a desaceleração for mais intensa do que o projetado, ajustes de estrutura se tornam inevitáveis e podem gerar custos significativos.
O ano de 2026 será desafiador. O empresário que estiver atento aos sinais da economia, cuidar do caixa, ajustar estoques e planejar investimentos com prudência estará em condição bem melhor para atravessar esse ciclo — inclusive no varejo automotivo, onde o impacto dos juros e do crédito é ainda mais direto.













