Em artigo, o presidente do IBEVAR – Claudio Felisoni, fez uma analogia curiosa à surpresa causada pela crise da Americanas
Um indivíduo resolveu roubar um porco. Aparecendo a oportunidade o sujeito pegou o porco, o maior que se encontrava na pocilga, e colocou-o nas costas segurando pelas pernas dianteiras. Saiu em disparada. Algum tempo depois a falta do porco foi notada e os proprietários saíram correndo atrás do ladrão gritando: ele pegou o porco, ele pegou o porco. Vendo que os perseguidores se aproximavam e outros o cercavam soltou as patas dianteiras e repetia sem cessar: que porco, que porco!
Pois é, o rombo na contabilidade das Americanas que começou em R$ 20 bilhões e as últimas reportagens dizem chegar a mais de 49 bi, lembra essa estória.
O tamanho da diferença encontrada, denominada eufemisticamente de inconsistências contábeis, é absurdamente ridícula. Não há modo de explicá-la sem comprometer controladores, gestores e auditores. Assistimos perplexos esses agentes tentando se livrar daquilo que está a olhos vistos: que porco!
Falta de esclarecimentos
As explicações ainda não foram dadas de modo completo. Não se sabe se o buraco no balanço é esse ou ainda maior. O que está claro é que esse volume de recursos é na verdade o somatório de dívidas junto aos bancos. Como os bancos estão bem longe de serem atividades beneméritas deve haver juros sobre esse total. Mas, para se ter a dimensão correta do problema será preciso aguardar.
Vamos aqui apontar algumas decorrências da descoberta desse descalabro. Primeiro o efeito difusor causado pelo problema para as demais empresas de varejo. Para usar uma imagem, lamentavelmente muito próxima, poderíamos usar a seguinte analogia. Recentemente se um viajante fosse identificado portador do vírus Covid, naturalmente restrições seriam postas para outros provenientes do mesmo destino. Com a descoberta do problema da Americanas, os investidores vêm se tornando, infelizmente, mas, compreensivelmente, mais cautelosos com as empresas de varejo em geral. Ou seja, o valor das ações das empresas de varejo vai continuar sofrendo pelo caso do porco.
Não é a primeira vez
Obviamente os gestores e os principais controladores terão de responder pelo problema. Os principais acionistas, incluídos na lista dos homens mais ricos do mundo, trataram rapidamente de se proteger, ou como se convencionou dizer blindar seus respectivos patrimônios, aumentando obviamente as dúvidas dos credores sobre as reais possibilidades de quitação das dívidas da empresa.
Mas, além dos gestores e controladores, precisam ser chamados a responder os auditores. Aliás isso não é a primeira vez que isso ocorre. Quem não lembra do caso da Enron e a consequência sobre a maior empresa de auditoria até então, ou seja, a finada Andersen Consulting.
As empresas de auditoria enfrentam a seguinte questão. Como é possível deixar escapar um porco desse tamanho? Só há três possibilidades. Cada uma pior que a anterior. A saber: incompetência, fingir não ver, pois pode ser incomodo confrontar grandes operações ou finalmente, o que não deixa de ser uma possibilidade, uma junção de ambas.
Conceito de teoria econômica
Para finalizar vale mencionar um conceito de teoria econômica. É a ideia de externalidades. Externalidades são os efeitos causados por um determinado agente e que não são passíveis de apreçamento. Por exemplo. Se tivesse eu a sorte de ter uma casa nas imediações onde reside um dos três grandes controladores da Americanas, certamente desfrutaria de uma segurança pela qual eu não teria que pagar.
Do mesmo modo que existem as externalidades positivas, existem também as negativas. Pois bem, o caso das Americanas acaba de produzir uma terrível externalidade negativa sobre todo mercado de varejo e de capitais.
Na história do varejo
O caso da Americanas é só aparentemente inusitado. Na verdade, nestas três últimas décadas, para limitar o tempo de observação, muitas empresas de varejo sumiram, ou seja, ou quebraram ou abandonaram o mercado nacional.
Alguns exemplos, os mais marcantes são: Mappin, Mesbla, Arapuã, Casa Centro, Lojas Brasileiras, Dillards, Blockbuster, Sears e o próprio Wal Mart.
As razões não são sempre as mesmas, mas o resultado é o mesmo: encerramento das operações. Entretanto, o caso da Americanas é mais parecido com o caso da Enron, que quando afundou levou com ela a Arthur Andersen, uma das cinco maiores empresas de auditoria da época.