Atuação D2C continua sendo rara no Brasil e globalmente

Presença D2C ainda é limitada no Brasil e no mundo

Análise do Mercado de Autopeças em Marketplaces

Com o crescimento das lojas oficiais das indústrias de autopeças em marketplaces como a Shopee, aumentam as preocupações sobre uma possível ruptura na cadeia de distribuição. Contudo, tanto a prática do mercado quanto pesquisas de instituições renomadas indicam que essa quebra ainda está longe de acontecer.

Uma pesquisa da KPMG, que ouviu 100 executivos de grandes empresas de vários setores — incluindo dois do segmento automotivo — revelou que, apesar do interesse crescente das marcas em canais diretos ao consumidor (D2C), existem diversas barreiras estruturais que dificultam essa transição, especialmente em setores com operações complexas e cadeias de distribuição consolidadas.

Segundo os participantes, os principais desafios são o alto custo de marketing para atrair público qualificado, a complexidade em montar operações robustas de atendimento ao cliente e as dificuldades logísticas relacionadas à última milha, devoluções e trocas. Em resumo, vender diretamente vai além de simplesmente criar um site; exige infraestrutura, investimentos e competências que muitas indústrias ainda não dominam.

Essa perspectiva é reforçada por análises do Boston Consulting Group (BCG), que destacam que no Aftermarket Automotivo as vendas diretas enfrentam obstáculos técnicos, operacionais e estratégicos. O BCG observa, por exemplo, que marcas que adotam o modelo D2C correm o risco de canibalizar seus canais parceiros e precisam desenvolver capacidades digitais avançadas, como CRM, campanhas personalizadas, atendimento 24/7 e estratégias de retenção — recursos geralmente ausentes em indústrias focadas tradicionalmente no B2B.

As vendas D2C correspondem a apenas 5% do total comercializado no Brasil, enquanto nos Estados Unidos esse número chega a 15%

Além disso, o BCG aponta que o consumidor médio de autopeças ainda vê o varejista ou o mecânico como uma fonte confiável de consultoria técnica, o que limita a eficácia das vendas diretas sem intermediação. Por isso, muitas empresas que desejam se aproximar do consumidor final optam por modelos híbridos, como lojas oficiais em marketplaces operadas por parceiros certificados. Essa estratégia permite presença em canais digitais de grande tráfego, como Shopee e Mercado Livre, sem assumir os custos e riscos de um D2C totalmente próprio.

Os dados confirmam esse cenário. Conforme a eMarketer, somente 5% das vendas online no Brasil ocorrem via canais diretos da indústria. Nos Estados Unidos, onde o ecossistema logístico e digital é mais desenvolvido, esse percentual é de 15%, ainda distante de uma disrupção na cadeia tradicional.

Vendas digitais avançam, mas relação com reparadores ainda é desafio

A aposta da Shopee no mercado de autopeças não é um caso isolado. A consolidação do ambiente digital como canal estratégico para o aftermarket está em andamento, e os números refletem a força dessa tendência.

Segundo o Mercado Livre, as autopeças representam 13% do faturamento total da empresa no Brasil, sendo um dos segmentos mais importantes para a companhia na América Latina.

Fernanda Giacon, Gerente Sênior de Comunicação, Excelência Comercial, Clientes e Estratégia da ZF América do Sul, destaca que o crescimento dos marketplaces é consistente e tende a se intensificar. “Comparando nosso mercado com outros que estão um pouco à frente do Brasil em digitalização, é certo que esse modelo vai crescer, pois é o que os consumidores buscam atualmente.”

No entanto, a digitalização mais ampla da venda de autopeças enfrenta um desafio crucial: o relacionamento com os reparadores. Os marketplaces ainda têm dificuldade em atender plenamente o canal B2B.

Por exemplo, a Shopee realiza vendas apenas para CPFs, limitando sua penetração direta nas oficinas. Já o Mercado Livre, que atende CNPJs, reconhece espaço para ampliar sua presença nesse público.

“Eles ainda são minoria, representando apenas 2,7% dos compradores da categoria. Contudo, o ticket médio mais alto desse grupo faz com que suas compras representem 27% do faturamento do segmento de autopeças”, afirmou o responsável pelo Aftermarket Automotivo do Mercado Livre na Argentina. Ele complementou: “Queremos avançar mais e, por isso, investimos na unidade ‘Venda B2B’, buscando melhorias internas para tornar a experiência desses compradores por volume ainda mais atraente.”

Fernanda Giacon ressalta que a mudança nos hábitos de compra dos reparadores está próxima. Com o aumento da complexidade dos sistemas veiculares, esses profissionais buscam mais agilidade, confiabilidade e eficiência nas compras — cenário favorável para o crescimento dos marketplaces. O desafio é adaptar a experiência de compra às particularidades do setor.

A executiva observa que muitos reparadores ainda utilizam métodos manuais, como enviar mensagens via WhatsApp para diversos varejistas com quem já têm relação, um processo que está se tornando obsoleto. “Eles recebem cotações ao longo de horas e, quando obtêm toda a disponibilidade e preços, decidem se compram tudo em um só lugar ou em vários. É um método ineficiente, e a popularização dos marketplaces pode trazer mais eficiência a essas compras”, conclui Fernanda Giacon.

Dados do Mercado Livre indicam que reparadores continuam sendo os principais compradores de autopeças

  • O volume de itens pedidos nas vendas B2B é, em média, quatro vezes maior.
  • O ticket médio das vendas B2B é cerca de 33% superior às negociações B2C.