O empreendedorismo nunca esteve tão presente na realidade brasileira. Dados do Sebrae mostram que, em 2024, a taxa total de empreendedores no país chegou a 33,4% da população adulta, contra 30,1% no ano anterior.
O avanço é puxado principalmente pelos empreendedores iniciantes, que já somam 20,3% da população. Já os empreendedores estabelecidos, com mais de 3,5 anos de atividade, representam 13,2%. E o potencial de crescimento é ainda maior: quase metade dos brasileiros (49,8%) declara ter intenção de abrir um negócio próprio nos próximos três anos.
No mercado de autopeças, essa tendência aparece de forma muito clara. A figura do balconista, historicamente ligada ao atendimento técnico e à ponte entre marcas e mecânicos, começa a ganhar um novo papel: o de futuro dono de loja.
Com domínio sobre portfólio de produtos, margens, perfil de clientes e dinâmica operacional, muitos balconistas têm usado essa bagagem para dar o passo seguinte e abrir o próprio negócio, movimento cada vez mais comum no setor.
O caminho de Yago Leite é um dos casos que melhor ilustram essa virada. Ex-balconista, hoje empresário e influenciador com mais de 900 mil seguidores no Instagram, ele representa uma nova geração de profissionais da reposição automotiva.
Sua trajetória começou na oficina, passou por anos de atendimento no balcão e evoluiu para a criação de um negócio próprio e de uma plataforma de comunicação de grande alcance (detalhada na entrevista especial desta edição).
“Isso acontece porque o balconista vive o negócio de perto. Com o tempo, ele percebe que poderia vender ‘para ele mesmo’ e não só para a empresa onde trabalha”, analisa Yago.
A leitura vai além de sua experiência pessoal. No dia a dia das autopeças, o balconista é um observador privilegiado da operação. Ele acompanha variação de preços, giro de estoque, comportamento dos reparadores e gargalos logísticos. Essa vivência, somada ao conhecimento técnico e à relação construída com a clientela, forma um repertório raro — e altamente aproveitável — para quem deseja empreender.
A digitalização do setor e a expansão dos marketplaces automotivos também reduziram as barreiras de entrada para novos negócios. Hoje, abrir uma loja física ou virtual exige menos capital inicial e mais conhecimento prático, justamente o ponto forte de quem vem do balcão.
Modelos híbridos, que combinam loja física, WhatsApp e e-commerce, reforçam esse movimento. Profissionais acostumados ao atendimento multicanal encontram aí um terreno fértil para crescer.
O que antes era visto apenas como um papel de intermediação entre fabricante, lojista e cliente passa, cada vez mais, a ser o primeiro degrau de uma jornada empreendedora.
Conheça a seguir histórias de balconistas que fizeram essa transição e hoje comandam suas próprias autopeças.
André Keppe, da Képecas Auto Peças – Curitiba (PR)
“Trabalho com autopeças desde os 13 anos, quando ganhei de presente de aniversário um emprego temporário. Hoje estou com 43 e continuo vendendo peças. Passei por várias lojas, atuei em todos os setores possíveis dentro de uma autopeças, até abrir minha própria loja.
Em 2021, saí da empresa onde trabalhava e minha esposa, Keilla Keppe, deixou o setor bancário depois de 15 anos. Com muita coragem, compramos uma loja em Curitiba, onde, além de proprietário, eu ainda exerço em muitos momentos a função de balconista.”
Jean George da Silva Ferreira, da Jahu Auto Peças Nacionais e Importados – Jaú (SP)
“Minha história é um tanto curiosa, porque até hoje eu nunca fui oficialmente contratado pela empresa. Eu estava fazendo um curso no Senac, depois de ter sido demitido de outra empresa da cidade, quando surgiu uma oportunidade na loja.
Fui conversar com um dos sócios, mas nunca tive retorno. Mesmo assim, apareci lá num momento em que a loja ainda estava sendo montada — e fui ficando. Comecei nas entregas, depois passei para o estoque, cobrança, atendimento telefônico, anotações de cotações, caixa…
Aí comecei a vender, criei minha clientela e, de repente, me destaquei. Ganhei confiança. Aprendi a observar o giro da loja e passei a fazer compras. Um dia, os sócios tiveram um problema e desfizeram a sociedade. Com isso, surgiu a chance de eu me tornar um dos sócios. E aqui estamos, mantendo uma empresa sólida na cidade e na região.”
Luiz Cloni Pagani Garcia, da Garcia Peças Diesel – Viamão (RS)
“Desde pequeno eu gostava de comprar peças com meu pai, que era agricultor e plantava arroz. Aos 16 anos, comecei a trabalhar com ele na lavoura e, aos 18, assumi as compras de peças para nossos tratores. Sempre sonhei em ter uma autopeças, mas nunca levava a ideia adiante.
Tínhamos um caminhão grande e eu dizia: ‘Se tudo der errado, viro caminhoneiro’. No fim, a palavra tem força e tudo deu errado. Virei caminhoneiro — por um dia. Precisei de peças para o meu caminhão e não encontrei. Tive que ir três vezes até a cidade vizinha para conseguir.
Foi aí que decidi: as pessoas da minha cidade não precisavam passar por isso. Abri minha autopeças sozinho, sem entender quase nada de peças de caminhão, sem dinheiro, só com balcão e prateleiras, aceitando encomendas e atuando como balconista.
Hoje, seis anos depois, sigo vendendo. Temos duas lojas, nove funcionários e mais de um milhão de reais em estoque.”

















