A BYD, montadora chinesa que iniciou a produção de seus veículos no Brasil, solicitou ao governo uma redução temporária nas tarifas de importação para veículos eletrificados desmontados, enquadrados nos regimes SKD (semi-montados) e CKD (completamente desmontados).
Esse pedido gerou grande preocupação em todo o setor automotivo, que já enfrenta retração na produção e aumento das importações. O momento é delicado, já que os Estados Unidos começam a aplicar, a partir desta sexta-feira (1º de agosto), tarifas de 50% sobre produtos brasileiros.
Essa decisão aumenta a insegurança no ambiente industrial e pressiona ainda mais o governo Lula, que é um entusiasta da presença de montadoras chinesas no país.
Em resposta, quatro grandes fabricantes — Volkswagen, Toyota, General Motors e Stellantis — enviaram uma carta conjunta ao presidente Lula, criticando duramente o pedido da BYD.
As montadoras afirmam que a importação de kits desmontados não representa uma fase de transição industrial, mas sim uma ameaça concreta à cadeia produtiva nacional, impactando diretamente o valor agregado, os empregos e os investimentos em andamento.
A carta contou com o apoio da Anfavea, que mobilizou sindicatos, federações estaduais e fornecedores para reforçar a posição contrária.
A associação destaca que as montadoras já anunciaram R$ 180 bilhões em investimentos até 2030 e alerta que incentivar a importação de kits prontos pode reduzir drasticamente o efeito multiplicador da produção nacional, que gera até 10 empregos indiretos por vaga, contra apenas 2 ou 3 nos modelos montados com peças importadas.
Além disso, a Abipeças e o Sindipeças classificaram o pedido da BYD como um “favorecimento injustificado”, ressaltando que a entrada de peças importadas pode comprometer a homologação de componentes locais, forçando empresas a rever investimentos e adiar projetos.
Federações industriais de todo o país — incluindo FIESP, FIEPE, FIESC e FIRJAN — manifestaram-se contra a concessão do benefício.
Cada estado destacou riscos específicos, como a Stellantis em Goiana (PE), responsável por quase metade dos empregos locais; a GM e a BMW em Santa Catarina; além de fábricas no Sul e Sudeste que dependem da produção nacional com conteúdo local.
Sindicatos metalúrgicos de todo o Brasil uniram-se em uma frente comum. CUT, Força Sindical e sindicatos do ABC, Sorocaba, Caxias e Juiz de Fora assinaram manifesto alertando que políticas de incentivo sem exigência de nacionalização podem desencadear uma nova fase de desindustrialização no setor automotivo.
Por sua vez, a BYD argumenta que a redução das tarifas é uma medida temporária e necessária para viabilizar a nacionalização completa de sua linha de produção, iniciada em junho em Camaçari (BA).
Confira a íntegra do comunicado da BYD:
Por que a BYD incomoda tanto?
A empresa que trouxe carros tecnológicos, sustentáveis e mais acessíveis é alvo de ataques por concorrentes tradicionais.
Dizem que o futuro chega de repente. Mas, às vezes, o que chega de repente é um e-mail. Desta vez, foi uma carta enviada por quatro das maiores montadoras brasileiras ao presidente da República, pedindo que ele impeça a inovação. Sim, eles pedem explicitamente que o governo barre a redução temporária de impostos para quem oferece carros melhores a preços mais justos.
Assinada por representantes da Toyota, Stellantis, Volkswagen e General Motors, a carta tem um tom dramático, como se vissem um meteoro no céu. O problema não é o meteoro, mas o fato de que ele está sendo bem recebido pelos consumidores — aqueles que, por décadas, foram obrigados a pagar caro por tecnologia ultrapassada e design preguiçoso.
Agora, uma empresa chinesa acelera a produção, reduz preços e coloca carros elétricos na garagem da classe média, causando desconforto nos concorrentes tradicionais. Não por acaso, uma concorrente reduziu o preço de um modelo elétrico em mais de R$ 100 mil após a chegada da BYD. Por que custava tanto antes?
A carta menciona “concorrência desleal”. Mas nada é mais desleal do que alguém jogar conforme as regras — e vencer. É injusto montar um carro no Brasil sob regime autorizado pelo governo, com data para nacionalizar a produção, e entregar um produto que as “locais” não conseguem nem sonhar em oferecer.
A reação da Anfavea e seus associados não é novidade. É o roteiro de sempre: diante de qualquer sinal de abertura de mercado ou inovação, surgem ameaças de demissões em massa, fechamento de fábricas e o “fim do mundo”. É uma chantagem emocional revestida de argumentos corporativos, repetida há décadas para proteger um modelo de negócio que deixou o consumidor brasileiro como último da fila da modernidade.
A ironia é que, enquanto as cartas se acumulam em Brasília, os consumidores já decidiram. Basta olhar os comentários nas redes sociais da própria Anfavea: “Lutar por carro mais barato vocês não lutam, agora querem nosso apoio para quê?” ou “Sempre digo: se a Anfavea está tão incomodada, é porque o outro lado vale a pena”. Os brasileiros querem avançar, não retroceder.
A redução temporária de impostos que a BYD solicita segue uma lógica simples e razoável: não faz sentido aplicar a mesma tributação sobre veículos 100% prontos importados e sobre veículos montados no Brasil, que geram empregos, movimentam a cadeia logística e pagam encargos. Isso não é novidade; outras montadoras já adotaram essa prática antes de ter produção local completa, e a BYD está fazendo o mesmo.
Em menos de um ano e meio, a BYD está concluindo a primeira etapa das obras da sua fábrica em Camaçari (BA), no mesmo local onde outra montadora tradicional desistiu do Brasil. O galpão de montagem final já é mais da metade do tamanho da antiga fábrica inteira, e o contrato com o governo da Bahia previa essa fase de montagem enquanto o restante da estrutura é finalizado. Tudo dentro do planejamento inicial.
O incômodo dos concorrentes não está relacionado a impostos, montagem ou empregos, mas sim à perda de protagonismo. Um novo player chegou oferecendo mais por menos, e a tecnologia finalmente deixou de ser um luxo para poucos, tornando-se uma realidade para muitos.
O que a BYD propõe ao Brasil não é um atalho nem uma manobra fiscal, mas uma visão de futuro com veículos mais limpos, seguros, conectados e com custo-benefício justo. Ajudar o Brasil a acelerar essa transição é um movimento estratégico, não só para a marca, mas para o país.
O presidente deveria ouvir essas cartas — e usá-las como prova de que está no caminho certo. Afinal, se os “dinossauros” estão gritando, é sinal de que o meteoro está funcionando.