Daniel Freitas Resende
O Conselho Nacional de Retíficas de Motores (CONAREM) foi oficialmente admitido como Amicus Curiae (Amigo da Corte) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 1.106, em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF). Esta decisão, tomada pelo Ministro Relator Edson Fachin, destaca a importância da entidade para esclarecer questões complexas relacionadas à regulamentação de um setor econômico vital para o Brasil.
Contexto da ADPF nº 1.106 e o Questionamento à “Lei Ferrari”
Iniciada em 2023, a ADPF nº 1.106, proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR), contesta a recepção da Lei nº 6.729/1979 — conhecida como “Lei Ferrari” — pela Constituição de 1988. Criada durante o regime militar, essa lei regula o sistema de concessões comerciais entre montadoras e concessionárias de veículos automotores.
O debate no STF gira em torno da suposta violação de princípios constitucionais como a livre iniciativa, liberdade de contratar, defesa da concorrência e repressão ao abuso do poder econômico, que são fundamentos do Estado Democrático de Direito assegurados pela Constituição.
Para o Aftermarket Automotivo, o desfecho desse processo pode representar um marco na regulamentação do mercado automotivo. A eventual anulação de dispositivos-chave da Lei Ferrari poderá provocar mudanças significativas na dinâmica das relações comerciais entre montadoras, concessionárias e oficinas independentes, afetando diretamente setores como retíficas de motores e reparação automotiva.
Origem e Impacto da Lei Ferrari
A Lei nº 6.729/1979, batizada em homenagem ao advogado e ex-deputado federal Renato Ferrari, autor do projeto, foi aprovada durante o regime militar e reformulada em 1990. Ela estabelece as bases para a regulamentação do sistema de concessões comerciais no setor automotivo, organizando as relações entre montadoras e suas redes de distribuição.
Entre suas determinações, a lei exige que a distribuição de veículos ocorra por meio de contratos de concessão comercial, regulados por convenções de marca e convenções de categorias econômicas. Ela também dispõe sobre:
- Exclusividade territorial na distribuição dos produtos;
- Transferência de cotas entre concessionários;
- Fornecimento de peças e serviços de assistência técnica pelos fabricantes;
- Regras contratuais que protegem os concessionários contra desvantagens econômicas, garantindo equilíbrio e segurança jurídica.
Defensores afirmam que a lei trouxe previsibilidade contratual, melhorou a capilaridade no atendimento ao consumidor e equilibrou as forças econômicas entre montadoras e concessionárias. Por outro lado, críticos argumentam que algumas regras podem restringir a liberdade de mercado e prejudicar a competitividade do setor.
O Papel do CONAREM na Discussão
A participação como amicus curiae permite que instituições com conhecimento técnico e representatividade contribuam com informações e análises, enriquecendo o debate e auxiliando os Ministros a formarem decisões mais completas e justas.
Na decisão, o Ministro Edson Fachin destacou a relevância desse papel:
“O amicus curiae revela-se como importante instrumento de abertura do Supremo Tribunal Federal à participação na atividade de interpretação e aplicação da Constituição da República, o que é especialmente marcante nos processos de feição objetiva.”
Ele ainda ressaltou o potencial do diálogo institucional:
“A interação dialógica entre o Supremo Tribunal e pessoas naturais ou jurídicas, órgãos ou entidades especializadas, que se apresentem como amigos da Corte, tem um potencial epistêmico de apresentar diferentes pontos de vista, interesses, aspectos e elementos nem sempre alcançados, vistos ou ouvidos pelo Tribunal diretamente da controvérsia entre as partes em sentido formal, possibilitando, assim, decisões melhores e também mais legítimas do ponto de vista do Estado Democrático de Direito.”
A admissão do CONAREM reflete a avaliação cuidadosa da Corte sobre a relevância do tema, sua especificidade e a representatividade da entidade. O tribunal afirmou que:
“A matéria aqui discutida é relevante, o tema diz respeito ao alcance da regulação de setor econômico significativo, abrangente e dotado de especificidades, e, na esteira da jurisprudência deste Tribunal, ostenta especial significado para a ordem social.”
Esse reconhecimento reforça o compromisso do CONAREM em defender o setor de reparação de motores no Brasil, demonstrando sua capacidade técnica e representatividade. O Ministro Fachin reconheceu formalmente a legitimidade do CONAREM para intervir no processo.
Com essa prerrogativa, o CONAREM poderá apresentar manifestações diretamente ao STF, por meio de seu departamento jurídico, que encaminhará informações e memoriais escritos. Além disso, seu advogado terá a oportunidade de sustentar oralmente durante o julgamento do mérito da ADPF 1.106, cuja data será definida pelo tribunal.
A participação do CONAREM como amicus curiae na ADPF 1.106 vai além de uma formalidade processual — representa a consolidação do compromisso da entidade com seus associados e o desenvolvimento sustentável do setor. Ao defender os interesses do segmento de reparação de motores, o CONAREM assegura não apenas a excelência técnica, mas também o reconhecimento da importância social e econômica do setor na mais alta instância jurídica do país.