Estudo inédito do Instituto Ar aponta a eletrificação como a alternativa mais econômica
para a transição energética do transporte de carga pesada no Brasil
A eletrificação do transporte de carga pesada no Brasil pode reduzir em 46% as emissões de gases de efeito estufa e evitar custos ambientais e de saúde estimados em R$ 5 bilhões até 2050. Em comparação, veículos híbridos a diesel apresentam uma redução modesta de 8% nas emissões e evitam R$ 298 milhões em custos no mesmo período. Já caminhões movidos a gás natural e biodiesel tendem a aumentar as emissões líquidas e os custos econômicos ao longo do tempo. Esses dados são apresentados em um estudo inédito lançado pelo Instituto Ar em 1º de setembro.
O estudo também avaliou o impacto da expansão do cultivo para produção de biodiesel no país. A adoção total do biodiesel (B100) até 2050 demandaria cerca de 215 milhões de hectares de terras agrícolas, o que corresponde a mais de 25% do território nacional.
Para alcançar essas conclusões, as pesquisadoras modelaram diferentes cenários para substituir a frota pesada a diesel por tecnologias mais limpas no estado de São Paulo, projetando reduções nas emissões até 2030 e 2050 — metas estabelecidas pelo Brasil em acordos internacionais. O foco nos caminhões pesados justifica-se pelo fato de que, em 2020, eles representaram 60% do consumo total de energia para cargas e quase 50% das emissões de CO2 do setor de transporte. Foram analisados cenários incluindo caminhões elétricos a bateria (BEV), movidos a células de combustível de hidrogênio (FCEV), híbridos a diesel, gás natural liquefeito (GNL), gás natural comprimido (GNC) e motores alimentados por biodiesel puro (B100).
Além dos baixos impactos em emissões e custos evitados, o uso do biodiesel pode impulsionar o desmatamento. Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o óleo de soja representou aproximadamente 66% da produção brasileira de biodiesel em 2022. Se o Brasil realizar uma transição completa para biodiesel na frota de caminhões, com base nos níveis atuais de produção, seriam necessários cerca de 215 milhões de hectares para atender à demanda — cerca de 25% da área total do país. Essa expansão poderia gerar mudanças indiretas no uso da terra que anulam a economia de carbono, com o biodiesel de soja contribuindo para 59% do desmatamento indireto projetado.
A líder do estudo, Patrícia Ferrini, especialista em avaliação dos impactos ambientais, econômicos e de saúde da poluição atmosférica urbana, especialmente oriunda do transporte, destaca: “As conclusões são claras quanto às consequências econômicas e para a saúde pública da escolha da matriz energética para o transporte de cargas. Enfrentar as mudanças climáticas exige a transição energética do setor, e este é o momento de alinhar a redução de emissões com benefícios à saúde pública. Sem intervenção eficaz, as emissões dos caminhões a diesel continuarão sobrecarregando o sistema de saúde brasileiro, elevando custos e piorando os resultados, especialmente para populações vulneráveis.”
O custo da poluição do ar para a saúde pública
As pesquisadoras também atualizaram a avaliação dos gastos com hospitalizações no Sistema Único de Saúde (SUS) relacionadas a doenças associadas à poluição do ar. Entre 2013 e 2023, mais de R$ 24 bilhões foram gastos em internações por enfermidades como câncer respiratório, doenças cardiovasculares, cerebrovasculares, respiratórias e diabetes mellitus, todas fortemente ligadas à exposição a material particulado fino (MP2,5) e óxidos de nitrogênio (NOx) emitidos por caminhões a diesel.
A análise identificou variações por faixa etária: doenças cardiovasculares e câncer em pessoas acima de 40 anos; gripe e pneumonia em maiores de 60; pneumonia em crianças menores de cinco anos; e asma em menores de 15 anos.
A carga da poluição atmosférica causada por caminhões pesados impacta desproporcionalmente comunidades próximas a corredores de transporte, rodovias, centros logísticos e cidades portuárias. Essas áreas, frequentemente habitadas por populações de baixa renda, enfrentam maior exposição a poluentes e vulnerabilidades socioeconômicas que agravam os riscos à saúde.
As emissões dos caminhões pesados estão associadas a doenças respiratórias crônicas, como asma e bronquite, e comprometimento da função pulmonar, especialmente em crianças e idosos, grupos mais suscetíveis à poluição do ar.
Veículos pesados são uma das principais fontes urbanas de MP2,5, correlacionadas ao aumento de doenças respiratórias em diversas cidades brasileiras. Além disso, a exposição prolongada a gases de escapamento de diesel eleva o risco de doenças cardiovasculares, como hipertensão, acidente vascular cerebral e infarto.
O MP2,5 contribui para inflamação sistêmica e disfunção vascular, agravando os riscos cardiovasculares. Pessoas que vivem próximas a rodovias, zonas industriais e centros logísticos enfrentam exposição maior a esses poluentes, aumentando a probabilidade de complicações graves de saúde.
Antes da implementação da norma P-8 (Euro VI) no Brasil, o Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT) estimou que um atraso de um ano na adoção dessa norma resultaria em aproximadamente seis mil mortes prematuras entre 2023 e 2050, além de elevar os custos com saúde em quase US$ 11,5 bilhões até 2040.
Metodologia para cálculo do impacto econômico
O estudo baseou-se em uma avaliação abrangente das emissões de gases de efeito estufa e poluentes no transporte rodoviário de cargas em São Paulo, realizada por pesquisadores do Imperial College London e da Universidade de São Paulo. Também utilizou o modelo LEAP (Plataforma de Análise de Baixas Emissões) do Instituto Ambiental de Estocolmo para estimar emissões associadas à queima de combustível nos veículos, produção e processamento de combustíveis, além de combustíveis importados, especialmente para cenários dependentes de fontes externas.
O modelo integra dados como composição da frota, transições tecnológicas, fatores de emissão por tipo de veículo e matriz energética para alternativas elétricas, considerando ainda taxas de sobrevivência e degradação veicular ao longo do tempo para representar com precisão as emissões reais.
Foram comparados dois cenários principais: o Cenário Base, no qual caminhões a diesel permanecem predominantes até 2050 sem investimentos significativos em infraestrutura alternativa; e Cenários de Tecnologia Alternativa, que preveem a substituição progressiva dos veículos a diesel por tecnologias mais limpas a partir de 2030, incluindo GNL, GNC, biodiesel, híbridos a diesel, caminhões elétricos a célula de combustível de hidrogênio e elétricos a bateria, com expansão da infraestrutura necessária para o fornecimento.
O estudo também integra projeções de evolução da frota e do sistema energético brasileiro, considerando crescimento econômico e tendências do PIB, além de uma matriz elétrica paulista predominantemente renovável (~60% hidrelétrica). Supõe-se que a capacidade de refino de petróleo bruto permaneça estável até 2050, com aumento anual de 3,9% na produção de biodiesel e expansão contínua da geração renovável a partir de hidrelétricas, eólicas e solares.
As estimativas de custo de danos foram obtidas de fontes como a Agência de Proteção Ambiental dos EUA, Banco Mundial e Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Cálculo da expansão do cultivo de soja para biodiesel
O Brasil possui uma das maiores indústrias de biocombustíveis do mundo, promovendo biodiesel, biometano e etanol para diversificar sua matriz energética e reduzir a dependência de combustíveis fósseis. Em duas décadas, 77 bilhões de litros de biodiesel evitaram a emissão de 240 milhões de toneladas de CO2 e economizaram cerca de US$ 38 bilhões em importações de diesel.
Atualmente, o consumo anual de diesel no Brasil é de aproximadamente 40 bilhões de litros, com mistura obrigatória de 14% de biodiesel, resultando em cerca de 5,6 bilhões de litros de biodiesel produzidos anualmente. Como 65,8% do biodiesel brasileiro é derivado do óleo de soja, a produção baseada em soja é de aproximadamente 3,92 bilhões de litros por ano. Considerando um rendimento médio de 400 litros por hectare, essa produção requer cerca de 9,8 milhões de hectares de soja — equivalente a 26,5% da área total cultivada no país, estimada em 46 milhões de hectares pela Embrapa.
Essa área para biodiesel é quase 7,5 vezes maior que a usada para culturas alimentares básicas como arroz, trigo e feijão (6,1 milhões de hectares combinados).
Apesar de programas como RenovaBio e Programa Combustíveis do Futuro, questões relacionadas ao uso da terra, desmatamento, segurança alimentar e contabilização completa das emissões do ciclo de vida colocam em dúvida a sustentabilidade dessa opção. Em um cenário de transição total para biodiesel B100 até 2050, o consumo de diesel pode crescer 3,9% ao ano entre 2030 e 2050, elevando o consumo anual para cerca de 86 bilhões de litros. Substituir integralmente esse volume por biodiesel exigiria aproximadamente 215 milhões de hectares, um aumento de cerca de 205 milhões de hectares em relação à produção atual — o que representa 25,3% da área total do Brasil (850 milhões de hectares).
















