A posse do automóvel já representou diferentes valores ao longo do tempo, como necessidade, investimento, status e comodidade. No entanto, o mundo mudou significativamente. Com as transformações disruptivas no setor automotivo, o carro vem se consolidando cada vez mais como sinônimo de mobilidade. Embora ainda não seja o único ou principal atributo associado ao veículo, é o que mais ganha relevância atualmente. Pesquisas indicam que, em média, 45% dos Millennials acreditam que não é necessário possuir um carro, mas sim ter acesso a um meio de transporte; entre os mais jovens da Geração Z, esse índice sobe para 55%. Projeções de médio prazo mostram que esse pensamento já envolve mais da metade da população, o que certamente trará impactos em vários setores da economia, inclusive no Aftermarket Automotivo.
Essa nova realidade impulsionou o crescimento de um serviço que avança em muitos mercados globais: o carro por assinatura, reconhecido hoje como a forma mais flexível de possuir um veículo. Vale destacar que assinatura não deve ser confundida com locação tradicional. Diferentemente da locação diária ou semanal, a assinatura é um contrato recorrente com prazo definido que inclui diversos serviços por uma mensalidade fixa. Ou seja, é ideal para quem busca praticidade, controle de custos e um carro sempre novo, sem surpresas.
As perspectivas de expansão desse serviço são impressionantes. Segundo projeções da consultoria Roland Berger, o mercado de propriedade flexível — que engloba assinatura e leasing — deve crescer cerca de 8% ao ano até 2030 nos seis principais mercados europeus (França, Alemanha, Itália, Espanha, Países Baixos e Reino Unido). Dentro desse cenário, o leasing deve crescer em média 7% ao ano, enquanto os serviços de assinatura terão um crescimento expressivo de 25% ao ano, projetando um mercado total próximo a 94 bilhões de euros até o final da década, conforme o estudo “Carro como Serviço – A ascensão da posse flexível de veículos”. Embora o estudo não foque no Brasil, os números locais também são expressivos. De segmento marginal em 2016, quando a modalidade começou a se consolidar no país, os carros por assinatura atualmente representam entre 10% e 12% da frota nacional — para efeito de comparação, veículos eletrificados correspondem a 8% do total circulante. Esse avanço é significativo, especialmente considerando que o modelo ainda está em seus primeiros passos no Brasil.
Dados da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (ABLA) mostram que a frota de veículos por assinatura saltou de cerca de 80 mil unidades em 2020 para mais de 300 mil em 2025. Em 2023, o setor cresceu 31,2%, enquanto a locação tradicional avançou apenas 3,8%.
Transformação cultural impulsiona o crescimento da modalidade
Esses números refletem uma mudança cultural em andamento: a posse do veículo vem cedendo espaço para o uso compartilhado. Retornamos, assim, ao conceito de mobilidade.
O que importa cada vez mais é deslocar-se do ponto A ao ponto B da forma mais eficiente, sem necessariamente possuir um carro próprio. A modernização das cidades, especialmente nas metrópoles, tende a promover a integração entre diferentes modos de transporte.
Muitos consumidores já percebem vantagens nos planos de assinatura em relação à posse tradicional. Manutenção, seguro, licenciamento, impostos e assistência 24 horas estão incluídos em uma única mensalidade fixa. Além disso, a fidelidade a marcas de veículos diminuiu devido à grande variedade de modelos disponíveis. O assinante também se beneficia ao evitar a depreciação do capital investido na compra do carro próprio, que pode chegar a 20% ao ano, segundo a Receita Federal. Se o veículo for comprado à vista, há ainda a perda da rentabilidade do capital aplicado; se financiado, as taxas de juros geralmente superam os rendimentos de investimentos. No Brasil, o crédito está cada vez mais difícil e caro.
Outro benefício é que o assinante costuma trocar de carro 0 km a cada dois anos, dependendo do plano, sempre usufruindo de veículos modernos e equipados com tecnologias atuais. Para executivos, a assinatura oferece conforto e imagem corporativa, inclusive com opções premium e blindadas. Essa proposta atrai um número crescente de consumidores. Como resultado, a oferta cresce e os preços das mensalidades têm caído, podendo começar em torno de R$ 1.700 para modelos de entrada. Das quase 22 mil locadoras atuantes no Brasil, cerca de 30% já oferecem o serviço de assinatura. Atentas a essa migração da posse para o serviço de mobilidade, as montadoras também disputam esse mercado promissor, com marcas como Stellantis, GM, Renault, Volkswagen, Mercedes-Benz, Mitsubishi, GWM e BYD investindo fortemente.
No Brasil, as famílias geralmente optam por planos de 12 a 36 meses. A maioria dos assinantes tem entre 30 e 40 anos, perfil urbano, alta familiaridade com serviços digitais e busca fluidez entre mobilidade e comodidade, incluindo profissionais autônomos, motoristas de aplicativos e executivos, segundo pesquisa da Infocar. Com a transformação cultural e o crescimento do setor, as perspectivas são animadoras. A ABLA estima que o total de contratos vigentes tenha ultrapassado 200 mil no ano passado, com projeção de 300 mil para 2025, elevando a frota por assinatura para 12% do estoque total das locadoras.
Transformação da posse flexível na Europa
O serviço de assinatura de veículos cresce globalmente, e poucos duvidam disso. Contudo, segundo o estudo “Carro como Serviço – A ascensão da posse flexível de veículos” da Roland Berger, trata-se de “um mercado ainda fragmentado e opaco, com desafios importantes para todos os envolvidos — desde bancos ligados às montadoras até empresas independentes de financiamento. A queda nos valores residuais, especialmente para veículos elétricos (BEVs), pressiona o setor. Observa-se uma variedade de modelos de negócio, sem solução ‘tamanho único’. Cada player precisa de uma abordagem personalizada, considerando seu modelo original, proposta de valor central e ativos existentes.”
A consultoria identificou que “a posse flexível de veículos passa por uma mudança significativa na Europa, sobretudo nos padrões de consumo privado. Três anos atrás, na pesquisa Automotive Disruption Radar 12 da Roland Berger, 57% dos consumidores já demonstravam interesse em modelos flexíveis de posse para o futuro. Essa tendência só cresceu, impulsionada por diversos fatores:
- Pressão econômica: Com a economia europeia enfrentando tendências recessivas, os consumidores enfrentam maior pressão financeira. Uma mensalidade fixa é mais atraente do que uma compra de alto valor, que envolve riscos financeiros e depreciação.
- Expectativas das novas gerações: Modelos de assinatura como Netflix e Spotify fazem parte do cotidiano dos jovens, que esperam essa mesma flexibilidade em serviços de mobilidade e veículos. Compromissos longos, como cinco anos com um carro, parecem ultrapassados para muitos.
- Digitalização e canais online: A preferência por comprar veículos pela internet cresce, com 18% dos consumidores nos seis mercados analisados já demonstrando essa tendência, chegando a 25% na Alemanha. A afinidade com marcas diminuiu, e consumidores estão mais abertos a plataformas que oferecem múltiplas marcas e modelos. Os canais online tornaram-se o principal meio de aquisição para empresas de assinatura.
A Roland Berger também destaca o crescimento dos veículos elétricos como um fator que estimula os planos de assinatura, pois permitem ao consumidor testar o carro elétrico por períodos maiores, sem os riscos ligados à rápida desvalorização, evolução tecnológica acelerada e fim de subsídios públicos.
Atualmente, na União Europeia, as taxas de utilização de leasing e assinatura são mais altas na França, Alemanha e Países Baixos, indicando maior maturidade nesses mercados para modelos flexíveis. Espanha, Itália e Reino Unido ainda estão em fases iniciais de adoção. A expectativa é que o mercado continue crescendo a uma taxa média de 4% ao ano, com o leasing mantendo crescimento estável e os carros por assinatura em rápida expansão, impulsionados pela digitalização e mudanças no comportamento do consumidor.
“A força dos players no mercado de propriedade flexível está relacionada à sua estrutura de origem — enquanto montadoras e concessionárias se beneficiam da reputação da marca e da rede de vendas, players independentes destacam-se por atuação em nichos e processos digitais inteligentes”, afirma Jan-Philipp Hasenberg, sócio sênior da Roland Berger. O mercado de assinatura está em consolidação, com a maioria dos provedores ainda operando no vermelho, demandando investimentos robustos em aquisição de clientes. Locadoras tradicionais estão ingressando no mercado de assinatura baseadas em suas operações consolidadas, enquanto operadoras puras de assinatura migraram para contratos mais longos (12 meses) e exploram segmentos adjacentes para escalar e alcançar rentabilidade. “No futuro, espera-se que as fronteiras entre leasing, aluguel e assinatura se tornem cada vez mais tênues.”

















