A Secretaria de Estado da Fazenda e Planejamento de São Paulo instituiu, na sexta-feira, 15, um grupo de trabalho para revisar todos os processos, protocolos e normativas relacionados ao ressarcimento do ICMS retido por substituição tributária. Esse tema é central no esquema de corrupção atribuído ao auditor fiscal de Rendas Artur Gomes da Silva Neto, preso na terça-feira, 12, durante a Operação Ícaro.
Suspeito de ter recebido pelo menos R$ 1 bilhão em propinas de grandes varejistas como Ultrafarma e Fast Shop — cujos dirigentes Sidney Oliveira e Mário Otávio Gomes também foram presos —, o fiscal utilizava como “laranja” sua própria mãe, uma professora aposentada de 73 anos da rede pública, para ocultar recursos ilícitos, conforme investigação.
A finalidade da revisão é analisar cada caso para identificar o alcance da rede criada pelo fiscal e verificar se outras empresas também pagaram propinas. O diretor-geral executivo da Administração Tributária, André Weiss, designou oficialmente oito auditores fiscais para essa missão, coordenada por Roberto Lopes de Carvalho. Os membros do grupo incluem Arthur Rafael Gatti Álvares (coordenador substituto), Sérgio Antonio Ribeiro Vicente, Ygor Shimabukuro, Fábio Loureiro Dickfeldt, Marcelo Luiz Alves Fernandez, José Maurício Bettarello de Lima e Francisco Gabriel Nicolia.
O grupo terá um prazo inicial de seis meses — prorrogável conforme avaliação de Weiss — para realizar o trabalho, considerado prioritário. A Operação Ícaro é uma força-tarefa conjunta entre a Corregedoria Tributária da Secretaria da Fazenda e o Ministério Público estadual, com promotores do Gedec, setor especializado em crimes econômicos.
As investigações apontam que Artur Gomes orientava empresas em pedidos de ressarcimento de créditos de ICMS-ST, organizando documentação para acelerar procedimentos e autorizações internas na Receita estadual. Em troca de milhões em propinas, essas empresas “furavam a fila” em processos administrativos complexos, geralmente marcados por lentidão semelhante à dos precatórios judiciais.
A revisão dos processos ligados a Artur poderá revelar a participação de outros colegas no esquema. O principal objetivo da Promotoria e da direção da Fazenda é mapear a extensão da fraude, o que pode resultar na identificação de mais concessões indevidas de créditos e até na anulação de procedimentos e autorizações de ressarcimento. Consequentemente, o Fisco estadual deverá autuar os contribuintes envolvidos. Os resultados subsidiarão a Corregedoria da Fazenda.
Embora Artur fosse supervisor de Redes de Estabelecimentos, os arquivos que analisava — conforme troca de e-mails identificados pelo Ministério Público — referiam-se a pedidos de ressarcimento de substituição tributária, área em que não atuava diretamente. Os integrantes do grupo são profissionais de confiança da direção da Receita estadual e deverão apresentar um relatório final sobre as concessões de ressarcimento.
“Cérebro” do esquema — A quebra do sigilo bancário e fiscal da empresa Smart Tax, registrada em nome da mãe do auditor Artur Gomes da Silva Neto, foi o ponto inicial da Operação Ícaro. A consultoria tributária está registrada em nome de Kimio Mizukami da Silva, professora aposentada de 73 anos da rede pública.
Em 2021, Kimio declarou R$ 411 mil no Imposto de Renda, mas seu patrimônio saltou para R$ 46 milhões em 2022 e para R$ 2 bilhões em 2024, devido aos rendimentos atribuídos à “consultoria”. A empresa está sediada no endereço residencial do fiscal, em Ribeirão Pires, ABC paulista, e não possui funcionários cadastrados.
Kimio não possui experiência em consultoria tributária. Desde sua criação, em 2021, a Smart Tax teve como única cliente a Fast Shop. Investigadores acreditam que a Smart Tax é uma fachada criada para operacionalizar o repasse de propinas ao auditor, que é considerado o “cérebro” do esquema. Segundo a apuração, ele oferecia uma verdadeira “assessoria tributária criminosa” às empresas.
Foram encontrados centenas de e-mails trocados entre Sidney Oliveira, proprietário da Ultrafarma, funcionários da empresa e o auditor, evidenciando o assessoramento clandestino, conforme avaliação do Ministério Público. A investigação indica que Artur chegou a utilizar o certificado digital da Ultrafarma para protocolar pedidos de ressarcimento em nome da empresa junto à Secretaria da Fazenda.
Outras empresas também podem ter utilizado os “serviços” do auditor. “Nosso desafio daqui para frente é verificar se há outros auditores envolvidos na corrupção e se outras empresas participam desse esquema”, afirmou, na terça-feira, 12, o promotor de Justiça Roberto Bodini, do Grupo de Atuação Especial de Repressão aos Delitos Econômicos (Gedec).
Ultrafarma e Fast Shop — Entre os empresários acusados de utilizar os “serviços” do auditor estão Sidney Oliveira, da Ultrafarma, e Mário Otávio Gomes, diretor estatutário da Fast Shop. Ambos foram presos, mas na sexta-feira, 15, tiveram a prisão convertida em domiciliar mediante pagamento de fiança de R$ 25 milhões. O juiz Paulo Fernando Deroma de Mello manteve a prisão temporária do auditor fiscal Artur Gomes da Silva Neto, apontado como receptor de quase R$ 1 bilhão em propinas para concessão de créditos tributários, por mais cinco dias.
Na decisão, o juiz acatou o parecer do Ministério Público de São Paulo, que considerou que a prisão domiciliar de Aparecido Sidney Oliveira e Mário Otávio Gomes não representa risco às investigações. Contudo, destacou que “é prematuro conceder liberdade provisória aos investigados Aparecido Sidney e Mário Otávio”.
O magistrado ressaltou a gravidade do caso, afirmando que “a única explicação plausível para pedido de liberdade é um eventual acordo de delação premiada em andamento”. “Se o Ministério Público solicitar medida cautelar diversa da prisão preventiva, caberá ao magistrado decretar a medida mais adequada, ainda que mais severa”, concluiu.

















