Se as tarifas de 50% (ou até 100%) sugeridas pelo governo republicano de Donald Trump forem confirmadas em agosto, podemos antecipar uma série de efeitos sobre a economia brasileira. Esses impactos, entretanto, tendem a ser complexos e demandam uma análise cuidadosa.
Primeiramente, é importante destacar que os Estados Unidos não são mais o principal parceiro comercial do Brasil. No ano passado, as exportações brasileiras somaram cerca de R$ 339 bilhões, tendo a China como principal destino, com US$ 94,9 bilhões (28% do total). Os EUA responderam por US$ 40,3 bilhões (12%). Ou seja, apesar de terem perdido protagonismo, os norte-americanos continuam sendo um ator relevante no comércio exterior brasileiro.
O impacto negativo mais imediato seria a redução da produção interna, já que tarifas tão elevadas inviabilizariam diversas exportações. Vale salientar que setores como o do aço já enfrentam barreiras semelhantes às propostas por Trump. Conforme estudo da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), as perdas podem alcançar R$ 175 bilhões em uma década, com a eliminação de mais de 1 milhão de empregos — um efeito que certamente afetaria o cotidiano dos brasileiros.
Por outro lado, a dificuldade para exportar determinados produtos — como commodities, alimentos e bebidas — pode resultar em excesso de oferta no mercado interno, pressionando os preços para baixo. Ainda assim, os exportadores deverão buscar alternativas, diversificando seus mercados. Atualmente, as commodities representam cerca de 66% das exportações nacionais, embora essa participação seja menor no comércio com os EUA.
Além disso, a imposição dessas tarifas pode contribuir para uma desaceleração da inflação. Com a dificuldade de escoar a produção para o exterior, especialmente para os Estados Unidos, muitos produtos serão redirecionados ao mercado doméstico, ampliando a oferta e reduzindo os preços. Apesar do setor de serviços ainda exercer pressão sobre o IPCA, já há sinais de perda de ritmo, mesmo em um segmento menos sensível ao comércio exterior.
Esse cenário pode até antecipar o ciclo de queda da taxa básica de juros, atualmente previsto apenas para 2026. Uma inflação mais controlada — impulsionada pela maior oferta interna e pela valorização cambial — reforça a possibilidade de flexibilização monetária ainda neste ano. Outro ponto relevante, embora indiretamente ligado às tarifas, é a crescente desconfiança global em relação ao dólar. As atitudes do governo dos EUA, ao criar atritos com aliados históricos, interferir na condução do Federal Reserve (FED) e ampliar o já elevado déficit fiscal, contribuem para o enfraquecimento da moeda americana no mercado internacional. No Brasil, um dólar mais fraco favorece a valorização do real, o que ajuda a conter a inflação e amplia o espaço para cortes na taxa de juros, facilitando a atuação do Banco Central.
Em resumo, apesar de as tarifas propostas por Trump serem, em essência, prejudiciais para a economia brasileira, não se pode ignorar possíveis efeitos colaterais positivos — especialmente se a situação não evoluir para medidas mais extremas. Por isso, é fundamental acompanhar atentamente os desdobramentos da política comercial dos EUA, que, como temos observado, pode mudar rapidamente.
* André Sacconato é economista e assessor da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).