Os benefícios conquistados por São Paulo ao longo de 10 anos de aplicação da Lei do Desmonte foram o foco principal do estudo defendido no Insper. A legislação determina que os estabelecimentos se credenciem junto ao Detran-SP, adotem sistemas de rastreabilidade, emitam nota fiscal e cumpram exigências ambientais e urbanísticas.
Em entrevista exclusiva, o diretor de Gestão Regulatória do Detran-SP, Eric Wetter, explicou as razões que justificam os resultados positivos da regulação dos desmanches. “A rastreabilidade é essencial para garantir ao consumidor a segurança sobre a origem das peças. Atualmente, contamos com um sistema que cruza informações, permitindo maior controle sobre o que é comercializado”, afirma Wetter. Ele ressalta que o selo de rastreabilidade é obrigatório por lei e que o consumidor pode denunciar irregularidades via plataforma FalaSP.
O Detran-SP também tem intensificado a fiscalização para assegurar o cumprimento das normas. Em julho, o órgão realizou uma operação conjunta com a Polícia Militar e a Polícia Civil em estabelecimentos da capital. Foram inspecionados 24 desmontes, dos quais 15 estavam fechados, um foi lacrado e três autuados. As infrações incluíram ausência de credenciamento, falta de nota fiscal e comercialização de peças sem rastreabilidade.
Segundo Eric Wetter, essa atuação não é pontual, mas parte de um serviço contínuo de inteligência. “Temos mais de 800 pontos de fiscalização integrados às bases da Polícia Militar, o que nos permite monitorar irregularidades de forma inteligente”, explica. Ele complementa que essa infraestrutura, aliada à análise de dados e cruzamento de informações, é fundamental para uma ação mais precisa.
Embora eficaz para desestimular o comércio irregular de autopeças, é importante destacar que a Lei do Desmonte ainda não eliminou completamente essa prática. Apesar dos avanços locais e da queda nos índices de roubo, a informalidade permanece um desafio. Wetter aponta que, juntamente com a consolidação da cultura da rastreabilidade, essa é uma das principais frentes no combate à pirataria no comércio de peças usadas.
Sucesso de São Paulo inspira, mas ainda não se consolida como padrão nacional
Um dos pontos preocupantes destacados pela pesquisa de André Mancha é que, no Brasil, existem estados sem exigência de credenciamento ou fiscalização sistemática — o que os torna “zonas cinzentas” para desmontes ilegais. “Os resultados alcançados poderiam ser replicados em diversas regiões, desde que haja empenho na disseminação de boas práticas e na estruturação institucional”, ressalta o pesquisador.
Sobre a necessidade de uma política nacional mais integrada contra a pirataria no setor de autopeças, Wetter afirma que é fundamental. “A existência de um desmonte ilegal em uma área próxima pode impactar o volume de roubos em estados com fiscalização efetiva. Por isso, compartilhamos as boas práticas de São Paulo com outros Detrans, o Denatran, e estados do Nordeste e Norte. Muitas pessoas vêm nos visitar para entender nosso modelo”, relata.
Mais do que coibir o crime, o objetivo é estruturar o mercado. Combater a comercialização de autopeças ilegais vai além da segurança pública — é também fortalecer o ecossistema automotivo. Quando peças de origem duvidosa chegam ao consumidor, todo o mercado de reposição perde em credibilidade, receita, segurança e confiança.
A construção de um ambiente mais seguro e formal depende não só da repressão aos canais ilegais, mas também de políticas que incentivem a adoção de boas práticas. Conforme conclui a pesquisa de André Mancha, “uma política pública bem desenhada pode alterar os incentivos do crime, e isso precisa ser aproveitado pelo poder público”.
É hora de transformar diagnósticos em estratégias e experiências bem-sucedidas em políticas estruturantes. A regulação eficaz do desmonte é um passo importante — porém, só será uma ferramenta definitiva se adotada em escala nacional, com fiscalização contínua, colaboração entre esferas governamentais e participação ativa da sociedade civil e do mercado. Só assim o país poderá, de fato, desmontar a engrenagem que alimenta a pirataria de autopeças.