Pesquisa propõe trocar o vale

Pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de São Paulo (USP) divulgaram nesta quarta-feira (26) um estudo que defende a viabilidade da tarifa zero no transporte público urbano no Brasil, financiada por um fundo formado com contribuições de empresas.

Na prática, a proposta substitui o atual sistema de vale-transporte por um novo modelo de financiamento, bancado inicialmente por empresas privadas e públicas com 10 ou mais funcionários, nas 706 cidades brasileiras com mais de 50 mil habitantes. Segundo os autores, 81,5% dos estabelecimentos ficariam isentos de contribuição.

O estudo, intitulado Caminhos para a tarifa zero e financiado pela Frente Parlamentar em Defesa da Tarifa Zero, é assinado por Letícia Birchal Domingues (UnB), Thiago Trindade (UnB), André Veloso (ALMG), Roberto Andrés (UFMG) e Daniel Santini (USP).

“Um estabelecimento com 10 funcionários vai pagar a contribuição no valor de um. Com 20 funcionários, pagará o valor referente a 11 e assim por diante”, explica o professor Thiago Trindade, da UnB.

De acordo com os cálculos do grupo, a contribuição giraria em torno de R$ 255 por mês por funcionário, o que geraria aproximadamente R$ 80 bilhões por ano. “Esse montante seria suficiente para custear a tarifa zero nas 706 cidades”, afirma Trindade.

Hoje, 137 cidades brasileiras já não cobram tarifa no transporte público. Para sustentar a proposta em âmbito nacional, os pesquisadores estimaram o custo atual do transporte público no país em cerca de R$ 65 bilhões anuais. A implantação da gratuidade nas 706 cidades com mais de 50 mil habitantes custaria algo em torno de R$ 78 bilhões por ano, beneficiando 124 milhões de pessoas.

Ao avaliar diferentes cenários de financiamento, o relatório sustenta que é possível adotar a tarifa zero sem necessidade de recursos adicionais do governo federal e sem criação de novos impostos.

Reformulação do modelo

Atualmente, o trabalhador que utiliza vale-transporte tem um desconto de até 6% do salário para complementar o valor pago pela empresa.

“O que a gente está propondo é uma reformulação desse modelo. Em vez de a empresa pagar para o trabalhador, a empresa vai pagar para um fundo”, diz Trindade.

A proposta prevê que o governo federal crie um fundo específico, para o qual cada empresa contribuiria com uma taxa que, segundo os autores, pode ser equivalente ou até menor que o custo atual com vale-transporte.

“Temos como fazer um programa de tarifa zero sem onerar o orçamento da União”, reforça o pesquisador. Ele defende que, em 2026, seja iniciado um projeto-piloto em algumas regiões metropolitanas para testar o funcionamento na prática.

O grupo avalia que o primeiro impacto imediato da tarifa zero seria o aumento da renda disponível das pessoas que hoje pagam passagem, o que tende a movimentar o consumo e a atividade econômica. “Isso vai gerar um aumento da arrecadação tributária, porque haverá mais dinheiro circulando”, afirma Trindade.

Prejuízos imensuráveis

O estudo também projeta mudanças no uso do transporte individual. A expectativa é de que a gratuidade leve parte dos usuários de veículos particulares e motocicletas ao transporte coletivo, o que ajudaria a reduzir acidentes de trânsito.

Levantamento divulgado nesta quarta-feira pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que a participação das motos nas mortes por acidentes de trânsito passou de 3% no fim dos anos 1990 para quase 40% em 2023. Esses acidentes representam cerca de 60% das internações por acidentes de transporte terrestre e responderam por mais de R$ 270 milhões em gastos hospitalares públicos.

“A gente vai aumentar a vida útil da população brasileira. As pessoas vão trabalhar mais tempo, produzir mais riqueza e o governo vai arrecadar mais dinheiro”, argumenta Trindade. Para ele, o custo para o país é maior quando políticas sociais deixam de ser implementadas. “Esse seria um dos maiores programas de distribuição de renda do mundo.”

Dinheiro na economia

No caso do Distrito Federal, a equipe estima que a adoção da tarifa zero colocaria cerca de R$ 2 bilhões por ano diretamente nas mãos dos cidadãos, apenas pela eliminação do gasto com passagens.

Para que um eventual projeto de lei avance, o pesquisador do Instituto de Ciência Política da UnB avalia que será necessária uma ampla campanha de sensibilização sobre a importância da tarifa zero.

“A gente teve mobilização social que conseguiu colocar esse tema na pauta da sociedade brasileira”, conclui Trindade.