A falta de mão de obra qualificada no Aftermarket Automotivo foi um dos temas centrais da 11ª edição do Fórum IQA da Qualidade Automotiva, realizado em 9 de outubro. O assunto, debatido por líderes do setor, deixou de ser uma preocupação distante e já faz parte da rotina de empresas de todos os portes.
Até mesmo grandes players, como o Grupo Carbel – que comanda uma das maiores redes de concessionárias e serviços automotivos do país – enfrentam dificuldades para atrair e reter profissionais qualificados. O desafio é tão profundo que o próprio setor produtivo passou a assumir um papel mais ativo na formação de novos talentos e na redefinição dos cargos na cadeia de reposição.
À frente dessa estratégia está Juliana Campos Franco, Diretora Superintendente de Gente e Gestão do Grupo Carbel. Com 20 anos de experiência em desenvolvimento organizacional e cultura corporativa, ela lidera iniciativas voltadas à qualificação técnica e valorização das carreiras no setor automotivo.
Em entrevista ao Novo Varejo, Juliana analisou o cenário, apresentou exemplos práticos dos projetos que vêm sendo implementados para enfrentar a escassez de mão de obra e defendeu a necessidade de ações articuladas entre entidades públicas e privadas para aproximar o ensino técnico das demandas do mercado.
Novo Varejo – Nos últimos anos, diferentes entidades do setor automotivo têm alertado para a falta de profissionais qualificados no aftermarket. Como vocês avaliam esse cenário hoje? O problema é pontual ou estrutural no Brasil?
Juliana Campos Franco – O setor automotivo está passando por uma transformação profunda, com a chegada de sistemas eletrônicos avançados, veículos híbridos e conectados, o que aumenta a necessidade de atualização técnica constante. A demanda por profissionais qualificados só cresce. O desafio, porém, é estrutural e reflete um descompasso histórico entre a formação técnica e as necessidades reais do mercado.
Novo Varejo – O setor tem dificuldade tanto para atrair jovens quanto para reter profissionais experientes. O que explica esse desinteresse pelas profissões ligadas à manutenção automotiva, como vendedor de autopeças?
Juliana Campos Franco – São vários fatores. Primeiro, existe uma percepção de que as profissões ligadas à manutenção automotiva são pouco inovadoras, o que não corresponde à realidade atual, cada vez mais tecnológica. Entre os jovens, pesa o distanciamento entre escolas técnicas e empresas, dificultando a experiência prática e a compreensão do potencial de carreira no segmento. Já entre os profissionais experientes, muitos não encontram programas de atualização ou planos de desenvolvimento, o que leva à evasão ou migração para outros setores. O desafio é de imagem e valorização profissional, tanto para quem entra quanto para quem permanece.
Novo Varejo – Com a chegada de veículos eletrificados e conectados, como vocês avaliam a adaptação dos profissionais e das empresas do aftermarket? A falta de atualização técnica é um dos principais gargalos?
Juliana Campos Franco – Sem dúvida. A atualização técnica é hoje um ponto crítico. A velocidade das inovações exige um perfil de aprendizado contínuo, mas muitos ainda foram formados em um contexto analógico. As empresas precisam investir em capacitação constante para garantir a transição. No Grupo Carbel, intensificamos treinamentos internos e parcerias com fabricantes e instituições especializadas para preparar as equipes para veículos cada vez mais modernos, com eletrônica embarcada e diagnósticos digitais.
Novo Varejo – Pode citar exemplos práticos das ações que estão adotando?
Juliana Campos Franco – Temos uma estratégia de formação interna contínua, focada no desenvolvimento de talentos. Criamos programas de capacitação técnica e comportamental para funções-chave, como mecânicos, consultores de serviços e vendedores de autopeças. Também ampliamos parcerias com fornecedores e instituições de ensino para alinhar os conteúdos às novas tecnologias. O objetivo é formar um pipeline de profissionais preparados, sem depender apenas da oferta externa. Em outubro, lançamos o projeto Emprega Mais Carbel, uma iniciativa inédita que, com nossa experiência de mais de 50 anos, investe na formação de novos talentos em vendas. É uma forma de contribuir com o mercado e reforçar nosso papel como agente de transformação social e econômica.
Novo Varejo – Vocês têm buscado parcerias para não só qualificar, mas também atrair profissionais para o setor?
Juliana Campos Franco – Sim. Temos ampliado o diálogo com escolas profissionalizantes, associações de classe e parceiros estratégicos para desenvolver trilhas formativas integradas, conectando teoria e prática desde o início da formação. Entendemos que o desafio não se resolve apenas com capacitação técnica, mas com uma estratégia conjunta de atração de talentos. Isso inclui comunicação com jovens, programas de estágio e aprendizagem e a criação de jornadas de carreira claras, tornando o segmento mais atrativo.
Novo Varejo – É possível ressignificar o papel da reposição automotiva diante das novas tecnologias e da transição energética?
Juliana Campos Franco – É totalmente possível e necessário. A reposição automotiva precisa se reposicionar como um segmento essencial da mobilidade do futuro. Hoje, trabalhar nesse setor significa lidar com conectividade, eficiência energética, sustentabilidade e inovação. A comunicação com as novas gerações deve destacar esse lado tecnológico e o impacto social do segmento. Procuramos mostrar que a oficina moderna é um hub de tecnologia, dados e soluções inteligentes para o cliente. Transformar essa imagem é fundamental para atrair talentos.
Novo Varejo – Além da qualificação técnica, que outros fatores dificultam o aumento da força de trabalho no aftermarket – como remuneração, informalidade, ausência de plano de carreira ou falta de reconhecimento social?
Juliana Campos Franco – Todos esses fatores têm impacto. A ausência de planos de carreira estruturados e de reconhecimento profissional ainda é um ponto sensível. Muitos veem as funções técnicas como transitórias, não como carreiras de longo prazo. Parte do setor ainda opera de forma informal, o que reduz a percepção de estabilidade e atratividade. Por isso, investimos em ambientes de trabalho organizados, seguros e com perspectiva de crescimento. Isso é fundamental para fortalecer o setor e consolidar uma cultura de valorização da mão de obra técnica.
Novo Varejo – Existem políticas ou programas nacionais que poderiam ser aprimorados para atacar o problema da escassez de mão de obra? O que falta para tornar a formação técnica uma prioridade nacional no setor automotivo?
Juliana Campos Franco – Falta uma integração efetiva entre o ensino técnico e o setor produtivo. Existem boas iniciativas em andamento, mas ainda estão distantes da realidade das empresas. É preciso repensar currículos, metodologias e incentivos para que a formação técnica volte a ser vista como um caminho de prestígio e empregabilidade. Programas de incentivo fiscal, apoio à aprendizagem e certificações setoriais poderiam impulsionar esse movimento. O Brasil precisa resgatar o valor da educação profissional como vetor de competitividade, especialmente em setores estratégicos como o automotivo.














