A instabilidade econômica e geopolítica dos últimos anos tem exigido uma profunda reestruturação na forma como o varejo brasileiro, especialmente o setor de franquias, realiza seu planejamento estratégico. A combinação de inflação persistente, elevação do IOF, juros altos, câmbio volátil e incertezas fiscais impacta diretamente o consumo das famílias e os investimentos privados, forçando as redes varejistas a abandonarem modelos rígidos e adotarem estruturas mais flexíveis e dinâmicas.
De acordo com Julio Monteiro, especialista em franchising, sócio da Megamat e vice-presidente da ABF-Rio, o cenário atual demanda agilidade, análise estratégica de dados e colaboração. “A velocidade com que o contexto muda requer das empresas uma capacidade de resposta muito mais rápida. Planejar a longo prazo, como antes, deixou de ser eficaz”, destaca.
Dados recentes reforçam essa visão. Segundo levantamento do Instituto Ibevar/FIA, a expectativa de crescimento do varejo para 2025 é de apenas 1,9% a 2%, significativamente inferior aos 5,5% a 8% previstos para 2024. Essa retração decorre da menor disponibilidade de crédito, queda na confiança do consumidor e aumento dos custos de financiamento, afetando principalmente setores como livros, combustíveis e móveis, que registraram quedas superiores a 7%.
A alta da taxa Selic e do IOF sobre operações com cartão de crédito também tem diminuído o poder de compra da população, impactando diretamente redes que dependem do consumo financiado. “Redes com tíquete médio elevado e foco no parcelamento sentem esse efeito de forma mais intensa. É um ambiente de consumo mais retraído, que exige estruturas enxutas, processos ágeis e decisões baseadas em dados em tempo real”, analisa Julio.
Para ele, a tomada de decisão nesse cenário de desaceleração do varejo precisa ir além do histórico e da intuição, incorporando fatores macroeconômicos e comportamentais, como índices de confiança do consumidor e riscos fiscais e geopolíticos. “A habilidade de interpretar rapidamente indicadores e agir com base neles tornou-se uma vantagem competitiva”, afirma.
No franchising, a adaptação também passa pela construção de relações mais colaborativas. “Não se trata mais de controlar a rede, mas sim de formar alianças estratégicas dentro dela. Comunicação transparente, suporte contínuo e decisões compartilhadas fazem toda a diferença em momentos de incerteza”, ressalta o executivo, que possui mais de 20 anos de experiência na expansão de marcas no Brasil e no exterior.
Julio destaca ainda o papel do impacto social como parte da resposta estratégica em tempos instáveis. Empresas que se conectam com as comunidades onde atuam, investem na capacitação de pessoas e desenvolvem vínculos reais com seus públicos constroem um capital de confiança cada vez mais valioso. “Confiança é um ativo escasso atualmente, e o engajamento social tem forte correlação com a fidelidade à marca”, observa.
Na visão do especialista, o varejo e o franchising brasileiros estão em um ponto de inflexão. “Inovação e propósito precisam andar juntos. É hora de abandonar modelos rígidos e abraçar a realidade com mais flexibilidade, foco e consciência. Não se trata apenas de sobreviver à tempestade, mas de aprender a navegar com inteligência, construindo negócios preparados para o futuro.”