As picapes são parte importante da cultura automotiva norte-americana e praticamente todos os fabricantes mantém ao menos um modelo em seu portfólio para disputar esse acirrado segmento. A Dodge, que hoje faz parte do conglomerado Stellantis, produz esses utilitários desde a fase inicial de sua atividade, tendo lançado o primeiro deles em 1921 com carroceria Graham sobre seu chassi.
A Dodge Merchants Express, com capacidade para meia tonelada de carga e motores de quatro e seis cilindros, surgia em 1929 como sua primeira picape sob o guarda-chuva da Chrysler. Com o fim da Segunda Guerra Mundial a marca ganhou reputação com a série Power Wagon, tão bem-sucedida que durou de 1945 a 1980 (para exportação) mantendo o mesmo desenho básico. Outros modelos de picapes foram produzidos neste período pela marca, sendo a mais conhecida de nós brasileiros e a que será tema desta reportagem: a Ram.
Para a linha 1972 a Dodge apresentou uma nova geração de sua série D, com linhas completamente novas e arredondadas, cabine mais espaçosa e confortável, suspensão dianteira independente com molas helicoidais (apenas nas versões de tração traseira, pois as 4×4 mantinham o eixo rígido). A Dodge melhorou o conforto dos ocupantes ao adicionar assentos mais confortáveis e novos materiais de isolamento acústico à cabine. A lista de opcionais incluía os freios a disco assistidos por servofreio, controle de cruzeiro e ar-condicionado integrado ao painel.
Com a Série D, a Dodge ofereceu pela primeira vez a uma picape a opção de cabine estendida (batizada de Club Cab), lançada em 1973. Disponível com caçamba de 2,0 m ou 2,4 m, a Club Cab tinha duas portas e diminutas janelas laterais. A finalidade era acomodar pequenos volumes no interior ou levar até dois passageiros em curtos trajetos, outra vantagem era o fato de não ser tão longa como a cabina dupla de quatro portas.
Mudanças ocorreram na linha 1977 quando a Dodge aplicou uma leve reestilização frontal com a inclusão de uma nova grade, moldura lateral da parte superior da carroceria e opção de pintura em dois tons. Havia três níveis de acabamento: Custom, Adventurer e Adventurer SE. Internamente havia novos padrões de acabamento: assentos em vinil com inserções de listras na Custom; vinil com inserções em relevo na Adventurer; e tecido na Adventurer SE. Os modelos Custom e Adventurer podiam receber assentos de tecido xadrez como opcional.
ADIANDO O AMANHÃ
Originalmente, uma nova geração de picapes da série D deveria ter sido apresentada no início da década de 1980, mas a crise financeira na qual a Chrysler estava envolvida tratou de afastar essa ideia. Em vez disso, o dinheiro foi alocado para o projeto “T-115”, que originou as minivans Dodge Caravan e Plymouth Voyager. Como resultado, a Chrysler dominou o mercado de minivans por anos, mas historicamente tinha apenas uma pequena fatia do mercado de picapes grandes.
Para contornar a situação a Dodge utilizou de uma estratégia bastante conhecida no meio automotivo. Manter a antiga geração e rebatizá-la com um novo nome. A evolução para a série D vinha em 1981 com o lançamento da Ram e da Power Ram, que adotavam o nome do carneiro usado desde 1933 como emblema da Dodge. A denominação variava conforme a tração: Ram (e os códigos D e B) para apenas tração traseira, Power Ram (e W) para tração nas quatro rodas, seguida pelo número 150 para capacidade de meia tonelada, 250 para três quartos ou 350 para uma tonelada.
A aparência da Ram era atualizava sob a “pele” da carroceria de 1972 com linhas mais retas, dois faróis retangulares e lanternas traseiras envolventes. As picapes eram oferecidas com cabines simples, estendida (Club Cab) e dupla (com quatro portas), dois comprimentos de caçamba (2 metros, apenas com cabine simples, e 2,4 m, disponível com qualquer cabine) e dois estilos de para-lamas traseiros — Sweptline, com laterais externas planas, e Utiline, com caçamba estreita e para-lamas salientes.
No catálogo de modelos eram oferecidas picapes em que o comprimento variava entre 4,85 e 5,35 metros, e a distância entre-eixos, entre 2,92 e 4,20 m de acordo com a configuração de cabine e caçamba escolhida; a largura era sempre de 2,02 m e a altura ficava entre 1,85 e 1,93 m. No interior, o banco dianteiro inteiriço levava três pessoas e havia um painel bem-equipado nas versões superiores. Opcionais que adicionavam conforto ao utilitário incluíam ar-condicionado, controle elétrico de vidros e travas, rádio com toca-fitas, controlador de velocidade e volante regulável em altura.
A gama de motores da linha Ram eram velhos conhecidos dos clientes da Chrysler: o seis cilindros em linha “Slant Six” (seis inclinado, em alusão à posição no cofre) com 225 pol³ (3,7 litros), 95 cv e 23,4 m.kgf; o V8 da série LA de 318 pol³ (5,2 litros), 140 cv e 33,6 m.kgf, e o V8 LA de 360 pol³ (5,9 litros) com 175 cv e 35,7 m.kgf, todos com comando de válvulas no bloco e alimentação com carburador (corpo duplo nos seis cilindros) e corpo duplo no 5,2 litros e quadruplo no 5,9 litros. Acoplado aos motores estava o câmbio manual de quatro marchas e como opção o automático Torqueflite de três velocidades.
Melhorias mecânicas foram apresentadas em 1988: o motor de seis cilindros em linha dava lugar ao V6 da série LA com 3,9 litros, injeção eletrônica e 125 cv; o V8 de 5,2 litros passava a produzir 170 cv e 35,7 m.kgf com injeção. Esse V6, lançado em 1986 na picape menor Dakota, era o V8 5,2 com dois cilindros a menos — razão do ângulo de 90° entre as bancadas. Freios ABS nas rodas traseiras, primazia na linha Ram, era opcional. Passariam a item de série um ano depois, quando a injeção chegava ao V8 5,9, para aumento de 20 cv (agora 190 cv), e aparecia o câmbio automático de quatro marchas.
CONEXÃO CUMMINS
Já na metade da década de 1980 a divisão de picapes Dodge amargava prejuízos. As carrocerias datadas de 1972 não conseguiam mais esconder o peso dos anos. Entretanto havia uma ala dentro da Chrysler que acreditavam que uma Ram movida a diesel teria potencial de vendas e assim fazer com que a divisão não fosse extinta. Para a sorte da Chrysler, a Cummins, um fabricante de motores a diesel independente estava buscando entrar no mercado de picapes e caminhões leves já há algum tempo. Não demorou e a Cummins viu potencial de fazer um grande negócio com a Chrysler, bem como ajudar a reviver sua marca de caminhões moribunda.
Um memorando entre as duas empresas foi assinado em 1984. Uma lista de modificações para o ajuste do motor no cofre da Ram foi colocada à disposição dos engenheiros da Chrysler. No ano seguinte, o primeiro protótipo operacional foi montado pela Cummins (um modelo de tração traseira com o câmbio automático TF727 de três marchas) e logo depois começaram os testes de estrada. Após quatro anos de testes e acertos de engenharia, as picapes Rams movidas a diesel foram lançadas em junho de 1988, como modelo 1989. Para a Chrysler era vital essa parceria dar certo, caso contrária a divisão de picapes seria encerrada. A diretoria da Chrysler estimou que a Ram equipada com o motor a diesel Cummins venderia algo em torno de 10 mil unidades/ano.
RENASCIMENTO AO SUCESSO
A parceria entre a Dodge e a Cummins impulsionou as vendas das picapes Ram no final da década de 1980 e estabeleceu um novo parâmetro para o segmento de picapes a diesel. O motor escolhido para equipar a Ram foi o Cummins 6BT, de 5,9 litros e seis cilindros em linha, comumente chamado nos Estados Unidos de “Cummins 12 válvulas”.
Oriundo da família da Série B de motores de quatro e seis cilindros em linha, foi projeto na década de 1980 para uso em equipamentos agrícolas, industriais ou de construção, além de equipar caminhões leves. Embora seja um Cummins no nome, a série B foi um esforço conjunto entre Cummins e Case por meio de uma nova divisão chamada Consolidated Diesel Corp.
A primeira geração do motor Cummins 5,9 litros apresentava de bloco de ferro fundido, comando de válvulas no bloco, duas válvulas por cilindro. Havia uma engenharia refinada no interior do motor, tais como um resfriador de óleo integrado e cavidade da bomba de óleo, bem como um furo no comando de válvulas que não exigia rolamentos prensados. Para aumentar a resistência ao desgaste, os filetes e mancais do virabrequim de aço forjado foram tratados com endurecimento por indução e a manivela foi ancorada no lugar por meio de parafusos da tampa principal de 14 mm. O diâmetro do cilindro era de 120 mm x curso de 124 mm, tendo um deslocamento de 5.883 cm³. A taxa de compressão era de 17,0:1.
Todo esse conjunto proporcionava à Dodge Ram equipada com o Cummins debitar 160 cv a 2.500 rpm e torque máximo de 55 m.kgf a 1.700 rpm, potência esta cortesia de um turbo de geometria fixa Holset H1C. Um dos diferenciais era o sistema de injeção direta e bomba de injeção rotativa Bosch VE acionada pela engrenagem do comando de válvulas. Era uma solução bem diferente da seguida na época por Ford e Chevrolet, que usavam motores V8 a diesel de aspiração natural com injeção indireta e maior cilindrada (7,3 e 6,2 litros, com potência de 185 e 130 cv na ordem). O Cummins podia ser acoplado ao câmbio automático A727 ou manual de 5 velocidades.
As expectativas de vendas excederam aquelas imaginadas pelo departamento comercial da Chrysler, e os pedidos de compra da Dodge Ram, no início de 1989, tiveram que ser cessados por um período. No final daquele ano, foram comercializadas 16.750 Dodge Rams a diesel.
A primeira geração da picape Dodge equipada com o motor Cummins durou 5 anos (1989 - 1993), com uma produção total de 179.377 unidades.
A parceria entre a Dodge e a Cummins provou ser certeira, e o Cummins 5,9 litros estabeleceu uma nova referência para os motores a diesel, provando ser confiável e eficiente no segmento de picapes e, simultaneamente, deu início à corrida por potência aos trens de força a diesel, que é um grande negócio hoje em dia.