Especialista no tema, Ricardo da Silva David, mostra que os carros elétricos e híbridos a etanol só têm vantagens. Segundo ele, “nós estamos perdendo o trem da história”
Nesta entrevista exclusiva com Ricardo da Silva David, sócio-fundador de várias empresas ligadas à sustentabilidade, entre elas, da ECOLUZ, da EBL (joint-venture entre a ECOLUZ, Br Distribuidora e Light), Citeluz (joint-Venture com a EDF – Electricité de France), Gerhlicher Ecoluz Solar do Brasil (Joint-venture com Gehrlicher, da Alemanha), ele pontua os grandes benefícios da eletrificação da frota e o que falta para o Brasil avançar nesse sentido.
Balcão Automotivo – Muitos questionam porque o Brasil precisa de veículos elétricos se temos o etanol. Qual seria o caminho?

Ricardo da Silva David – A indústria automobilística já nasceu globalizada. Quando uma montadora pensa em um veículo, ela pensa em mundo e não em atender somente a realidade do seu país de origem. Nós podemos e devemos expandir, principalmente os modelos híbridos a etanol, que hoje são os eletrificados mais vendidos no País. Exemplo disso é que os dois modelos da Toyota híbrido a etanol representaram neste ano 44% das vendas de carros eletrificados híbridos.
BA – A comunidade europeia já definiu um prazo para os veículos a combustão?
RD – Exatamente. 29 países tomaram a decisão de não mais permitir veículos a combustão com pequenas exceções, a partir de 2035. A comunidade europeia está adotando isso porque a China está numa verdadeira revolução dos eletrificados e os Estados Unidos vêm um pouco atrás, mas crescendo. Um terço da emissão de carbono no mundo vem do transporte, principalmente do urbano nas grandes cidades. Essas nações que estão experimentando esse engajamento, essa necessidade de ter um engajamento, principalmente governamental, que é a nossa maior queixa.
BA – O que falta no Brasil?
RD – Falta incentivo no Basil, falta uma política de eletromobilidade, como por exemplo, favorecendo em primeiro lugar o transporte púbico, uma grande massa, antes do transporte individual. Criar incentivos para toda a cadeia e com todos os governos, federal, estadual e municipal. Traçar uma política de conversão. Falta também uma política integrada no Brasil.
Se eu fosse político, a minha principal bandeira seria converter toda a frota de ônibus do País, anunciar que baixaria a tarifa, o que beneficiaria quem usa o transporte público, consequentemente, seria uma pancada certeira nas emissões urbanas. Tem essa pegada econômica muito forte e ambiental. Para uma mesma distância, você gasta um sexto com o carro elétrico do que gastaria com o carro a gasolina.
BA – Isso significa que estamos bem atrasados?
RD – Nós estamos perdendo o trem da história, a eletrificação e o híbrido a etanol se inserem nesse contexto, no ponto de vista econômico, ambiental e de qualidade de vida. 86% de todos os veículos vendidos na Noruega em 2021 foram elétricos. Lá existe uma política totalmente integrada entre cidadãos, provedores de serviços de mobilidade, governos estaduais e provinciais, todos eles se uniram para contribuir na cadeia. Na Alemanha, esse percentual já está próximo de 33%. Por aqui o que vemos é o governo federal atacando os governos estaduais com essa questão de imposto, o ICMS dos combustíveis. O fator político é muito mais preponderante ante o valor econômico.
BA – Estamos perdendo mercado?
RD – Sim, somente no ano passado, a Colômbia e o Chile adquiriram 3.000 ônibus elétricos para o transporte urbano. O Brasil era quem vendia ônibus para eles e perdemos esses mercados, porque não produzimos aqui. Nós temos uma potencialidade, devemos nos aproveitar dela, colocando veículos híbridos a etanol e o elétrico puro. Não podemos ficar com o complexo de vira-lata, precisamos entender que esse mercado na América Latina tem que ser nosso. Nós que temos que exportar ônibus e caminhões.
BA – E a eletrificação é bem benéfica para o transporte rodoviário de carga?
RD – Sem dúvida, o nosso processo de escoação é rodoviário, imagina a transformação que será esse escoamento com caminhões elétricos, que já estão à disposição. Hoje tem um grande movimento das empresas de logística no Brasil, envolvidas na política de ESG para ter um transporte mais sustentável. Algumas já estão iniciando e outras estão no meio do processo de conversão de suas frotas para elétricos. Para quem roda mais de 50 mil km por ano, se não converter, está jogando dinheiro fora. Eu fui gerente da área de Óleo e Gás da Petrobras e acompanho muito os preços dos combustíveis. Quando você faz uma conta para converter o veículo a diesel pelo elétrico, você tem uma redução de custo muito grande.
BA – O atual sistema elétrico brasileiro suporta uma frota de veículos elétricos?
RD – Se com uma varinha de condão transformássemos toda a nossa frota de veículos (incluindo todos os tipos) em elétrica, ela demandaria somente 3% de energia do nosso sistema de produção. É muito pouco e para atender toda a frota nem precisaria de mais investimentos. Os números mais conservadores mostram que do total de energia produzida no Brasil, entre 15% e 20%, é desperdiçada. Se acabar com esse desperdício, eu a disponibilizo para o mercado automotivo e ainda sobra. Mas, esse mercado não vai crescer abruptamente, hoje nós temos no Brasil um custo de aquisição, o carro elétrico mais barato custa R$ 130 mil.
BA – Seria um planejamento de longo prazo?
RD – Nós, da área de energia, somos doutrinados a trabalhar com planejamento, fazendo hoje o que vai precisar para daqui a 5 anos. Quando se estuda o sistema elétrico, se pensa em 5, 10 e 20 anos. Se não fizer, não acontece, pois não se constrói uma hidrelétrica de um dia para o outro e nem uma usina termoelétrica.
BA – Como está a questão dos postos de carregamento no País?
RD – Não há uma legislação que regule isso. Falta o arcabouço legal, falta o incentivo. O Brasil é aquele cavalinho lá atrás, mas a infraestrutura está sendo provida totalmente pela inciativa privada. Hoje são cerca de 1.500 pontos de carregamento no País. Nós temos cadastrado no nosso aplicativo em torno de 400 pontos somente na cidade de São Paulo e acreditamos que esse número chegará a 500 até o final deste mês. Se acompanharmos a curva de crescimento de vendas de carros elétricos, mais do que dobrando a cada ano, precisaremos acompanhar a infraestrutura de carregamento.
BA – As vendas têm surpreendido?
RD – Eu diria que mesmo atrasados nós temos números surpreendentes. No primeiro semestre de 2022, já emplacamos mais carros elétricos do que em todo o ano passado e isso sem incentivo. Foi por pura adesão de alguns segmentos enxergando essa necessidade e que estão fazendo esse crescimento exponencial no País.
BA – Como está avançando a autonomia dos elétricos?
RD – Quem determina a autonomia é a bateria e está sendo desenvolvida uma com 1.000 km de autonomia. Atualmente, o elétrico puro tem, em média, 400 km de autonomia e alguns modelos, 600 km. Até dezembro deste ano, nós teremos 100 modelos de carros eletrificados colocados à nossa disposição, de elétricos puros, híbridos elétricos mais combustível, o híbrido Plugin-in que carrega a bateria também nele, e o híbrido puro, sem carregamento.
BA – Qual tende a ter mais mercado?
RD – O Plugin-in terá um espaço muito grande. Os jipes Compass e o Renegade, juntos, eles detêm a liderança de mercado no Brasil e a Jeep acabou de lançar tanto o híbrido Plugin-in como o híbrido puro. Um carro desses roda 52 km com um litro de combustível, quando combinado com o elétrico. É uma economicidade muito grande.
BA – O que muda com o 5G?
RD – O 5G permitirá uma interação muito maior, com o carro elétrico inclusive, para o veículo autônomo. Ele é pura tecnologia, eu diria que cada vantagem do carro elétrico mereceria uma entrevista exclusiva, como por exemplo, o barulho urbano causado pelos veículos é muito prejudicial. O carro elétrico vem para resolver isso. E também, ele vem trazendo o conceito do uso compartilhado, uma transformação que está ocorrendo em algumas cidades. Eu visitei recentemente algumas cidades na Europa e percebi isso. São Paulo começou.
BA – Finalizando, quanto tempo dura a bateria desses veículos?
RD – Ela dura 15 anos e está sendo estudada para segundo e terceiro usos, de forma que quando ela não servir mais para os veículos, ela tenha outros usos estacionários, como por exemplo, para sistemas de emergência.