Por Lucas Torres
Na esteira do ChatGPT, maior evento de inovação do mundo projetou os impactos da inteligência artificial no varejo e na sociedade em geral
Entre os dias 1 e 4 de maio, o Rio de Janeiro recebeu o Web Summit, maior evento de tecnologia do planeta que, em 2023, reuniu as principais empresas do setor para mais de 100 horas de conteúdo, além de rodas de negócio entre as techs e os tomadores de decisão de segmentos como o varejo.
Como não podia ser diferente, a primavera da Inteligência Artificial Generativa (IAG) – iniciada com o lançamento do ChatGPT, em novembro passado – permeou a maior parte das palestras e painéis, dividindo os mais de 21 mil participantes entre o sentimento de otimismo quanto à sua capacidade de aumentar a produtividade dos negócios e o temor a respeito de seus possíveis impactos na substituição da mão de obra humana.
Mais de 40 varejistas e players da indústria que se conectam diretamente com o consumidor final discutiram o tema sob diferentes pontos de vista. Apesar da multiplicidade de enquadramentos, porém, os efeitos promissores da IAG na relação empresa-cliente foi unanimidade entre os participantes.
O vice-presidente de Gente, Tecnologia e Inovação do Grupo Boticário, Daniel Knopfholz, foi um dos que apontaram o potencial revolucionário da tecnologia nas interações de diálogo com o consumidor – tanto no início do relacionamento quanto, e principalmente, em serviços ligados ao pós-venda.
Essa aplicação por si só, segundo ele, separa a IAG daqueles que chamou de ‘modismos tecnológicos’ surgidos nos últimos anos, tais como o metaverso e o NFT.
“A Inteligência Artificial Generativa tem grande chance de aplicação comercial rápida, escalável e economicamente viável”, avaliou Knopfholz.
Mais do que ter uma aplicabilidade futura mais palpável em relação a outras tecnologias que já estiveram na crista da onda do universo da inovação, a IA já é realidade em diversas das grandes empresas do globo.
De acordo com o Statista, site especializado em dados de mercado, 92% das grandes empresas já têm algum retorno sobre seus investimentos na tecnologia. Além disso, 41% dos negócios brasileiros usam hoje a inteligência das máquinas em seus cotidianos.
Apesar dos números mostrarem que essa tecnologia já está presente na estratégia das organizações, ainda há diversas barreiras a serem superadas até que a IAG possa – por exemplo – conduzir chats indiscriminadamente junto aos clientes. Afinal, além de incongruências em respostas noticiadas recentemente, questões sensíveis ao compliance ainda estão longe de serem solucionadas.
“É preciso garantir que isso vai ser feito do jeito correto (…) Estamos conversando muito com a Microsoft, que tem feito uma ponte com a Open AI, garantindo todos os padrões necessários para que a privacidade seja preservada”, comentou o diretor do Boticário.
Além de problemas quanto à segurança e a confiabilidade, essa nova tecnologia enfrenta ainda uma outra barreira importante: sua dificuldade de se espalhar entre as empresas de menor porte.
Devido ao fato de ainda necessitar de computadores e servidores ultracapazes em termos de armazenamento e à falta de uma cultura de inovação nas PME’s de países como o Brasil, a IAG ainda está significativamente restrita às grandes organizações.
CTO do marketplace B2B ‘Faire’, Marcelo Cortes salientou a importância de um maior incentivo para que as pequenas empresas enfrentem menos barreiras de acesso à tecnologia.
Isso porque, assim como Knopfholz, ele vê a IAG com grande potencial para melhorar a experiência de compra, atuando como assistente do consumidor ao longo da jornada de consumo e refinando o processo de atendimento.
“Ela atuará ainda na melhoria das ferramentas de busca para os negócios que operam com e-commerce”, concluiu Cortes.
Inteligência Artificial Generativa dará vantagem competitiva aos e-commerces que souberem usá-la
Em uma das palestras mais aguardadas dos entusiastas do varejo que compareceram ao Web Summit 2023, o CMO do Mercado Livre – Sean Summers, abordou os desafios de se fazer um marketing qualificado para o setor na era da IAG.
Segundo ele, a efetividade do marketing para a construção de uma marca e o aumento do volume de vendas dependerá, cada vez mais, de um fator primordial: a captura e o uso de dados.
Neste sentido, Summers destacou que vivemos o fim do uso dos chamados cookies e que é papel do marketing realizar a captura ao se conectar com o consumidor a partir de conteúdos relevantes a fim de gerar tráfego e audiência contínuos.
“Dados coletados pela nossa plataforma apontam que 8 em cada 10 pesquisas relacionadas a compras já começam dentro de alguma plataforma de e-commerce (…) Isso faz com que tenhamos de estar na mente do consumidor desde antes dele perceber que precisa ou quer comprar algo”, relatou Summers – antes de complementar.
“Isso quer dizer que as marcas precisam se inserir muito antes na jornada do consumidor, porque ele já precisa pensar no varejista como opção antes mesmo de iniciar a pesquisa por preços ou opções”.
Um dos maiores especialistas do marketing do planeta, Neil Patel, focou sua apresentação em uma linha parecida ao apontar a combinação de conteúdo e Inteligência Artificial como uma ferramenta chave para a captura de dados – tanto na mídia paga quanto na orgânica.
No âmbito dos anúncios patrocinados, Patel apontou que, com o avanço da IAG, será cada vez mais possível direcionar anúncios e campanhas para o público mais congruente, reduzindo a ineficácia e o desperdício de recursos.
Já no que diz respeito à mídia orgânica, o especialista enfatizou o impacto da IAG nas estratégias de SEO voltadas a colocar conteúdos e produtos no topo das buscas do Google.
“O Google está se desenvolvendo nesse sentido e trabalha em uma nova versão de sua ferramenta de busca. Em vez de mostrar 10 resultados de sapatos após uma procura, por exemplo, o site irá mostrar exatamente o sapato que o usuário gostaria – em tese, inclusive em termos de característica como cor e modelo”, antecipou Patel.
Ao concluir sua apresentação, o guru do marketing digital fez uma provocação aos varejistas que ainda não projetam, ou ao menos cogitam, desenhar suas estratégias de marketing a partir da coleta de dados e do uso da Inteligência Artificial para aproveitá-los na construção de uma teia de relacionamento que envolva o cliente de maneira omnichannel.
“As pessoas mudaram a maneira como compram. Vocês mudaram a maneira como vendem?”, finalizou.
Cultura progressista também é inovação
Que o Web Summit 2023 foi a edição da Inteligência Artificial Generativa, não há como negar. Ao mesmo tempo, porém, quem afirmar que o evento tratou exclusivamente de tecnologias e máquinas certamente não prestou atenção nas nuances mais sutis que marcaram a primeira vez que o maior evento de inovação do planeta foi realizado na América Latina.
Uma das varejistas mais influentes do Brasil, a diretora do Magazine Luiza, Luiza Helena Trajano, destacou a importância da transformação cultural para conduzir as empresas neste tempo de mudanças constantes.
Para ela, um dos elementos mais importantes neste sentido é a adoção de uma abertura maior ao erro. “É só assim que se inova de verdade, testando, valorizando e aprendendo com os pequenos erros”, opinou Trajano – destacando, na sequência, que essa mentalidade não demanda grandes investimentos e pode ser adotada por todas as empresas, independente de seus tamanhos.
A inovação a partir da cultura também foi discutida no evento sob o aspecto ESG.
Co-fundadora do Movimento Black Lives Matter, Ayo Tometi, abordou a questão a partir do ponto de vista racial, propondo a superação de estereótipos como passo fundamental para desconstruir conceitos enraizados e reproduzidos constantemente pelas empresas – afastando-as da criação de uma cultura inclusiva.
Ainda no tema da sustentabilidade, agora sob a ótica ambiental, o evento convocou as empresas dos mais diversos setores a se engajarem na pauta climática a partir de parcerias com startups e empresas de tecnologia que promovam soluções de descarbonização e transição energética.
Sobre os impactos tangíveis da ESG no desempenho dos varejos junto aos consumidores, a CEO da ‘Weber Shandwick’, Gail Heimann, apresentou um estudo produzido pela agência de relações públicas a respeito dos impactos do compromisso com a sustentabilidade na construção de um relacionamento duradouro com o cliente.
Com base nas análises qualitativas realizadas, ela chamou a atenção para o fato de estarmos vivendo em uma sociedade em que o conceito de reciprocidade está sendo progressivamente enraizado, de modo que as marcas e as empresas precisam – de fato – cuidar das pessoas e do planeta para desfrutar de alta credibilidade e ‘merecer a fidelidade’ dos consumidores.