Diário do Comércio
A quantidade de propostas relacionadas ao sistema tributário nacional traduz a necessidade de mudanças no modelo atual, considerado complexo, custoso e injusto. São vários os projetos em discussão no Congresso e nas rodas de conversas entre tributaristas, que propõem desde uma reformulação total do modelo atual e, no outro extremo, apenas uma simplificação.
A PEC 110 é uma das mais ousadas e profundas por prever a fusão de tributos federais, estaduais e municipais e a criação de um imposto sobre bens e serviços (IBS), com alíquota padrão. A votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, entretanto, não avança e já foi adiada por mais de uma vez.
“A premissa da PEC 110 não é simplificar, mas transferir a carga tributária para o setor de serviços”, criticou o mestre e doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário, Alberto Macedo, durante reunião do Caef (Conselho de Altos Estudos de Finanças e Tributação, da ACSP (Associação Comercial de São Paulo).
Na visão do especialista, a fusão do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) com o ISS (Imposto sobre Serviços), um dos pontos mais polêmicos da proposta, vai levar ao aumento da carga tributária e impactar as finanças dos municípios menores, que dependem das transferências do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) por não conseguirem gerar receita própria.
SIMPLIFICAÇÃO
“O Brasil foi o segundo país a criar um IVA (Imposto sobre Valor Agregado), que é o nosso ICMS. Esse imposto só precisa ser aperfeiçoado”, defendeu Macedo, um dos autores da proposta de reforma tributária conhecida como Simplifica Já (Emenda 223 à PEC 110).
Elaborada pela (Anafisco) Associação Nacional dos Auditores Fiscais de Tributos dos Municípios e Distrito Federal, a proposta prevê uma legislação nacional para o ICMS e ISS, sistema único de nota fiscal, tributação no destino e possibilidade de alíquota reduzida do imposto estadual para os produtos in natura.
O Simplifica já, segundo Alberto Macedo, contribui para a maior autonomia financeira dos municípios, que teriam um salto nas receitas provenientes do ISS, passando de R$ 73 bilhões em 2021, para R$ 206 bilhões em 15 anos.
O NOVO IVA
Defensora da PEC 110, Melina Rocha, diretora de cursos na York University, no Canadá, que também participou da reunião do Caeft, ressaltou que o ICMS usado no Brasil não pode ser considerado um IVA, pois não reúne as características essenciais de um imposto sobre valor agregado, como base ampla e sem restrição aos créditos.
Atualmente, 176 nações no mundo utilizam o IVA. Dos 31 países federativos, 20 optaram pelo IVA único, como Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Suíça e Venezuela, entre outros.
Canadá e Índia usam o IVA Dual, nos mesmos moldes do que propõe a PEC 110. O texto prevê um IVA federal (fusão do PIS e Cofins) e outro de competência estadual e municipal (fusão do ICMS e ISS).
“Apesar de ser um imposto cumulativo, o ICMS atualmente não permite de forma integral a obtenção de créditos, onerando a produção e levando à perda de competitividade”, criticou Melina.
As mesmas críticas foram feitas por ela em relação ao ISS, “um imposto cumulativo e concentrador de riquezas.”
Dados apresentados durante a reunião mostram que São Paulo e Rio de Janeiro concentram 31,8% da arrecadação do imposto municipal. De acordo com a especialista, com o IBS, 4,8 mil municípios terão ganhos na arrecadação e apenas 690 apresentarão perdas.
“Vale lembrar que a PEC 110 prevê um período de transição. Nos primeiros 20 anos, as receitas serão mantidas para Estados e municípios. Depois desse período, caso haja recuo na arrecadação, a proposta prevê mecanismos de compensação”, explicou.
REDISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS
De acordo com Melina Rocha, a reforma vai aumentar a participação relativa dos Estados e Municípios mais pobres no bolo tributário, com a redistribuição de cerca de R$ 25 bilhões dos Estados mais ricos para os menos favorecidos. Na esfera municipal, a redistribuição deve ultrapassar R$ 37 bilhões.
A especialista também rebateu a tese de que a proposta vai aumentar a carga tributária do setor de serviços, que hoje responde por 73,3% do PIB. Desse valor, explicou, apenas 13,7% correspondem às transações no fim da cadeia, ou seja, as vendas ao consumidor final.
Pela proposta, haverá tratamento diferenciado para serviços de saúde, educação e transporte público.