Migração do varejo digital para o físico é tendência transformadora no setor

Lucas Torres [email protected]

No último mês de maio, a Amazon inaugurou a primeira loja física de sua história. Localizado em Los Angeles, nos Estados Unidos, o espaço – focado no comércio de roupas – chamou a atenção do varejo mundial muito mais por sua representatividade do que por sua configuração propriamente dita.

Isto porque, apesar de contar com um catálogo digital dotado de inteligência artificial suficiente para reconhecer as preferências dos clientes por meio de algoritmos, a Amazon Style representou, acima de tudo, uma disrupção no caminho trilhado pelas empresas do segmento. Com o movimento, o gigante nascido e consolidado no ambiente digital – e com receita líquida de mais de US$ 400 bilhões anuais – deu um recado claro: ser contemporâneo e moderno não é apenas oferecer uma experiência estupenda no e-commerce, mas fazê-lo em todo e qualquer canal em que o consumidor possa querer trafegar. Vale destacar que a própria Amazon já havia percebido a importância presença física e inaugurado, anteriormente, iniciativas no setor de alimentação com as redes Amazon Go (refeições e minimercado) e Amazon Fresh (semelhante aos hortifrútis que temos no Brasil). No entanto, a Amazon Style deu um passo muito além dos anteriores no conceito efetivo de loja e representa algo realmente novo no grupo.

TENDÊNCIA

Embora tenha causado muito burburinho entre os empresários do setor varejista, inclusive no Brasil – país em que o total de lojas online cresceu 22% entre 2020 e 2021, atingindo a expressiva marca de 1,59 milhão de iniciativas – alguns especialistas absorveram a notícia com naturalidade. Pertencente ao grupo dos que já antecipavam esta tendência, a coordenadora de marketing e crescimento da Oto CRM, Patrícia Matzenauer, afirmou que não importa a direção em que a expansão de canais acontece, ela segue sendo fruto de uma exigência da era da omnicanalidade.

“Se fala muito em visão omnichannel, de integrar estratégias físicas e digitais e é comum vermos o movimento das lojas físicas para os canais digitais. E por que quando vemos o oposto isso pode criar alguma estranheza? O que nasceu digital indo para estratégias físicas?”, questionou Patrícia, antes de responder a si própria na sequência. “Se os dois mundos se complementam e temos consumidores que pesquisam, experimentam, tiram dúvidas, interagem com a marca tanto no ambiente digital como no físico, é natural que as empresas nascidas no digital também migrem para o físico. Só é menos comum, não estamos tão acostumados, mas do ponto de vista da estratégia é a mesma que o inverso”.

Números revelam: surpresa com a Amazon é pontual e varejistas brasileiros entendem perfeitamente a importância da loja física

O eventual choque causado pela chegada de empresas como Amazon e Google no universo do varejo físico talvez tenha impressionado pela magnitude e pelo DNA essencialmente digital destes players. Afinal, quando analisamos os números do varejo brasileiro nos últimos 24 meses, é possível observar uma fotografia muito clara do entendimento que nossos empresários já têm a respeito da importância das lojas físicas ante as exigências do novo consumidor. Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o Brasil teve 28,3 mil lojas fechadas ao longo de 2020 – ano em que a Covid-19 provocou seus maiores impactos no âmbito das restrições da mobilidade física da população. Tal situação extrema indicava uma recuperação gradual na direção de nova consolidação do comércio brasileiro à medida que a crise sanitária começasse a dar sinais de arrefecimento, ainda que considerássemos uma adaptação vivenciada pela população no período, adequação esta evidenciada pelo fato de 7,3 milhões de brasileiros terem comprado online pela primeira vez no 1º semestre de 2020.

O que aconteceu com os primeiros sinais de normalidade, já em 2021, porém, foi muito além de uma ‘recuperação natural’. Afinal, o comércio não apenas recuperou pontos perdidos, mas apresentou um salto exponencial, terminando o ano com 204,4 mil novos pontos de venda.

Para a cofundadora da StreamShop – empresa especializada no serviço de Live Commerce junto a importantes players do varejo, Lyana Bittencourt, este cenário revela a resposta de nossas empresas à exigência de um consumidor ávido por construir um relacionamento com as marcas. “O que temos observado é que esse movimento tem relação com complementação de vendas e relacionamento com os clientes. O consumidor já está habituado à conveniência dos ‘cliques’ e tem buscado cada vez mais a personalização dos serviços que consome. A tendência é que o e-commerce e o varejo físico sigam coexistindo e sejam estratégias complementares das marcas”, analisou Lyana. A visão da executiva da StreamShop encontra confluência na análise de Patrícia Matzenauer, para quem a experiência e a humanização do atendimento no varejo físico é a principal explicação para a manutenção de sua importância na estratégia dos comerciantes. “É muito mais tangível e assertivo criar esses momentos de experiência em espaços físicos, pois é possível atingir todos os sentidos humanos. E o fator humano também é um grande diferencial, o vendedor que se torna um consultor para o cliente – entende seu perfil, necessidade, preferências e extrapola o atendimento pontual – quando o cliente está dentro da loja, continua atuando junto a esse cliente de acordo com a jornada dele com a marca, como um canal de comunicação e vendas através de canais digitais”, complementou a especialista em marketing.

Live Commerce busca unir conveniência do e-commerce com calor e interação do varejo físico

A necessidade de unir a conveniência do comércio eletrônico com a humanidade do varejo físico é apontada como ideal pelos especialistas e tem feito empresas como a Amazon e a brasileira Amaro abandonar o status de negócios estritamente focados nas vendas online. Neste movimento de tornar mais fluidas as fronteiras das diferentes modalidades do varejo, porém, existe um fato novo que promete ter a capacidade de verdadeiramente unir o ‘melhor dos dois mundos’.

Batizada de Live Commerce, ou Comércio ao Vivo, a recente modalidade consiste na realização de vendas em tempo real a partir de uma transmissão em vídeo. Ainda em fase inicial de expansão no Brasil, o modelo foi responsável por robustos 37,4% das vendas realizadas no comércio eletrônico chinês em 2021, gerando receita de US$ 131 bilhões.

Cofundadora da empresa StreamShop, negócio nascido para impulsionar o boom do Live Commerce no Brasil, Lyana Bittencourt afirma que a principal razão para a aposta no modelo é justamente o fato dele conseguir levar para o e-commerce a humanização que se vê nas lojas físicas.

“As interações são reais, a construção de vínculo da marca com o consumidor é espontânea e as vendas acontecem ali mesmo, durante a transmissão na plataforma. Entendo o live commerce como uma modalidade que pratica efetivamente o conceito de ‘customer first’, que significa atender a necessidade do cliente o colocando em primeiro lugar, desenvolvendo uma linguagem onde as expectativas dele em relação ao produto e à marca estejam alinhadas”, apontou a executiva, complementando na sequência com cases que já contam com a participação de sua empresa. “O impacto da plataforma da StreamShop já é quantificado, atingimos este ano a marca de 3,5 milhões de usuários únicos e podemos citar clientes de peso como Natura, L’oréal, Vivo, Buscapé, Banco Inter, Riachuelo, ZeeDog, Reserva, Madesa, BASF, entre outros”.

Como exemplos de aplicação desta estratégia estão desde a utilização de influenciadores digitais para ampliar o alcance das marcas até o uso de um tom mais intimista conferido por lives conduzidas por vendedores que estão no dia a dia do varejo físico. Sobre esta última possibilidade, fica uma pergunta curiosa nestes tempos de profissionalização e atualização das habilidades dos balconistas de autopeças: será que, como já fazem vendedores de empresas como o Magazine Luiza, os profissionais do aftermarket devem se preparar para atuar como consultores ao vivo em plataformas de streaming? Segundo a análise de especialistas como a coordenadora de marketing da Oto CRM, Patrícia Matzenauer, a resposta é sim. “O vendedor também deve fazer parte desta estratégia omnichannel, atuando com tecnologia e ferramentas para estar próximo ao cliente não apenas durante o período em loja física”. No final, a história sempre se repete. Pode até demorar um pouco mais, mas as inovações disruptivas nos outros segmentos do comércio chegarão também ao varejo de autopeças.